terça-feira, 2 de agosto de 2011

Ruínas - parte II (Final)

Rosa!Acorde!Sacudia a mulher com força pra que recobrasse a consciência.
Abriu os olhos idiotas, via, mas não compreendia,parecia um vegetal.
O menino assustado olhava a mãezinha sem poder entender aquilo, a mulher não pronunciava coisa alguma, levantou-se,ignorando os chamados da criança, foi em direção a janela, mediu bem a distância até o chão e pulou.Estava livre.
-Pai, onde ela foi?
-Não sei, ela não está bem,precisamos achá-la.
Saiu com a criança no colo procurando a mulher pelas ruas;havia desaparecido feito fumaça.
-Pai!Olha ela ali.
-Rosa!
Virou-se pros dois com um olhar de piedade,mais de si do que deles;cabelos desgrenhados e sujos,não via ambos há dias.
-Não!Não vou voltar!
-Calma, Rosa você está deixando nosso filho assustado,tenha calma,juntos resolveremos isso.
Gargalhou sarcasticamente pro marido;
-Idiota!
O pequeno estava aterrorizado, agarrado as pernas do pai,soluçava, gemia baixinho, uma dor íntima e desconhecida.
-A mamãe está doente filho, vamos levá-la pro hospital.
-Hospital?Você pensa que estou louca?O maluco aqui é você!
Agora estava sedada, calma serena; amortecida da fome e das lutas diárias. Em breve estaria em casa pra que juntos os três pudessem traçar um rumo novo pras suas vidas
-Quando sai os direitos que a empresa tá te devendo homem?
-Não sei Rosa, não sei. Nem dinheiro pro advogado tenho.
-E precisa?
-Deve de precisar, os homens lá,os grandes tão todos endividados,será que sobra algo pra gente?
Era cedo. Despediram-se.Saiu.
Entrou na saleta espaçosa, bem mobiliada, cheia de estantes e livros volumosos. Quanto saber estaria guardado ali? Quantas lutas de classe?Algum sofrimento?Algum deles seria mais pungente que o seu?E ele nem sabia o que era pungente; mas sentia, e sentir dói demais,estraçalha,pulveriza a alma da gente em mil pedacinhos.
O homem alto, ombros largos, cabelos vastos e negros caídos sobre a ampla testa, queixo duro,severo,olhos em lâmina,falou:
-O senhor fede.
-Desculpe, não estou entendendo bem.
-Além de fedido é burro?Fora daqui!
Desconcertado com a situação,voz cambaleando,disse aos tropeções:
-Tomei banho.
-A água não tira seu odor, seu mau cheiro de pobre, e quer saber?Pobre fede.
-O senhor, aliás, você, “autoridade” não merece respeito algum.
Cuspiu no chão.
-Advogadozinho de araque. Num homem feito eu você não pisa. Até logo Doutor cuspe, quanto ao Grande doutor Arantes... Quisera ele ser igual a você senhor cuspe.
O outro enfurecido engoliu a vergonha e o desaforo.
Saindo de lá rumou pra defensoria pública; um dos sócios da empresa deu de garantia os próprios bens pra saldar a dívida com os funcionários, esse sim era Homem.

6 comentários:

  1. Ta parecendo até uma história de algum peão da R-Carvalho, Feira de Santana. rsrs... vc postou essa daí num momento propício pra chamar atenção!!! hehe... mas me diga uma coisa, Cecília, vc conhece realmente os sentimentos e comportamentos q as pessoas adquirem qdo estão em uma crise como esta? Sei o q vai dizer: "não precisa se tornar um miserável ou desgraçado, angustiado e atormentado pela crise para saber como um pensa ou age". Certíssima, isso é um sacrifício desnecessário!!! Pra isso existem as pesquisas. Uma sugestão: os grandes escritores viajam muito e conhecem muitas realidades de pertinho. Pesquise mais, entreviste várias pessoas de várias realidades. Seja curiosa pelos fatos e as causas da vida e não se baseie apenas pelo q assimilou nos livros. Ou então restrinja-se a falar apenas do nível da realidade (cultura, poder aquisitivo, educação, etc.) em q foi criada. Mas parabéns mesmo, conseguiu mais uma vez prender a minha atenção!!! Li o "I" e o "II".

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  2. muito bom seu blog, Ceci.

    Uma escritora de primeira qualidade..
    beijo,
    Teófanes

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  3. Não,não é uma história dos peões da R.Carvalho,me lembrei sim da empresa escrevendo a segunda parte do conto,mas não como uma inspiração,mas como uma constatação de uma coincidência,tanto que no texto procurei não focalizar muito a questão empresarial ou adentrar em pormenores da falência,quis explorar o lado psicológico,o lado humano do personagem,com suas dificuldades materiais,conflitos,etc.
    Ao escrever um conto não fico presa ao que li nos livros ou reportagens,o que pra mim sinceramente tem tido um papel secundário,trabalho com minhas emoções,com minha forma de ver e sentir o mundo,é uma mistura de sentimentos tanto meus quanto das outras pessoas.Você já olhou profundamente nos olhos dum mendigo ou doutra pessoa em condições miseráveis?Há ali um silêncio,uma dor ou resignação que fala mais alto que qualquer palavra ou grito que ele venha a proferir.Olhos como esses cruzam com os meus em manhãs comuns de nossa cidade,ficam marcados,gravados pra sempre dentro de mim,se pudessem ouvir o que eles me falam mesmo calados...Se eles me falassem da dor que sentem talvez não fosse tão pungente quanto o penetrar naqueles olhos;
    Não quero me ater somente aos meu "mundinnho",quem ou o que eu seria se escrevendo negligenciasse a existência de pessoas como o Maurício?!Quero e tenho procurado cada vez mais penetrar a vida dessas pessoas,os sofrimentos secretos,sonhos,desejos e medos;não só pra escrever mais e melhor,mas pra me tornar um ser mais humano...Escrever pra mim é assim como ler;é me libertar dos preconceitos,absorver e sentir o outro.
    Quando alguém me diz:
    -Ceci,aquela passagem me emocionou ou me causou raiva.Sinceramente fico feliz,realizada por que no momento em que escrevia também senti aquela dor ou aquela raiva,me envolvo completamente; sentindo o que o personagem sente,estando no lugar dele,e por vezes sendo ele próprio.

    Fico feliz que esteja acompanhando o meu blog.Obrigada pelos comentários,seja sempre bem vindo,aliás como todos os outros também o são.

    Não esperem de mim uma pessoa alienada ou em cima do muro,gosto de fazer parte,estar inserida na realidade do mundo.

    beijinhos pra todos
    :D

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  4. Não acredito que "grandes escritores" tenham feito grandes "pesquisas" ou "viajado' muito para escrever suas obras maravilhosas. Acredito sim, que para escrever bem é necessário antes de mais nada, ter dom e sensibilidade e que não é só uma questão de opção. Viajar e conhecer muitos lugares é ótimo para se adquirir cultura, mas para conhecer e escrever sobre pessoas é necessário ver com olhos do coração. Cecília, continue sendo fiel ao seu estilo de escrever e viajando sim, muito, nesse maravilhoso mundo onde o real e o imaginário se encontram com toda a sua espontaneidade.Abrs

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  5. Ceci o conto esta lindo!! parabéns

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