quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Vaso de Porcelana





Atirou o chapéu na mesa, sentou numa cadeira, arrotou aos quatro ventos pra quem quisesse ouvir e sentir aquele odor...


O garçom aproximou-se dele:

-Venha comigo, por favor, sua conduta não condiz com o estabelecimento.

-Não irei a lugar algum. Estou esperando alguém.

-Ou o senhor vem comigo ou chamo o gerente.

Nesse instante uma moça aproxima-se da mesa, cumprimenta a ambos, puxa a cadeira mais próxima e senta. É muito bela e discreta. Era disso em maior parte composta a sua beleza, da sua discrição.

O garçom olhou pro homem ainda sentado desajeitadamente uma última vez e saiu.

-Aqui está. Disse ela entregando uma pasta.

-Muito bem. Tirou uma caneta do bolso e rubricou nos locais indicados. Estava consumado.

Ela sorriu satisfeita. Um sorriso terno e doce, talvez maternal.

Levantou-se e saiu.

O homem ainda ficou ali por uma hora ou duas bebericando uma cerveja, a esta altura bem quente, deixou o dinheiro embaixo do copo e saiu. Ali não era ambiente pra uma criatura como ele, com a “esmerada” educação que tivera dos pais... Frequentar restaurantes finos tais aquele? Era a primeira vez. Era a primeira vez que sentia o verniz da sociedade, não se sentiu intimidado, mas estava contrafeito com o tratamento recebido, era contra seus princípios de educação frequentar lugares como o que acabara de deixar,foi por insistência de Isabel que se encontraram ali. Ficara órfão de mãe aos oito anos, o pai abandonou-a grávida, não o viu sequer uma vez em 30 anos de existência.

Na rua sentia o efeito das rubricas sobre o mundo. Contrato assinado. Rubricado em cada rodapé de páginas. Parecia feliz. Dentro de seus olhos brincavam as letrinhas do seu nome.

No outro ponto da cidade Isabel entrou no edifício, sempre cordial cumprimentou os funcionários da empresa. Ouvia-se a largas vozes por ali e por toda a parte o quanto ela era correta e querida entre os companheiros de trabalho, do maior ao menor, eram todos respeitados.

-Que mulher admirável, Jaime. Disse Pedro.

-Eu com uma mulher dessas estaria feito. Quem dera a jararaca lá de casa fosse tal qual ela.

Fechou a porta. Sentou. Folheou cada página com cuidado. Antunes havia cumprido sua parte no acordo.

-Antunes! Meu velho e bom Antunes. Era saudado na rua por amigos, conhecidos, aclamado com unanimidade.

-Olhe meu caro a melhor coisa que você fez foi vender a casa.

Enfim o negócio estava liquidado.

Com o dinheiro “ajudaria” inclusive a Isabel, ela que estava “ajudando-o” a ser um homem de classe. Aquele dinheiro pagaria as prestações que se acumulavam do hospital, os remédios e todo o resto. Antunes estava doente. Talvez morresse em breve, mas não estaria sozinho nem desamparado...Aquela mulher também seria paga, assim como o hospital e os remédios, pra acompanhá-lo em sua solidão.

Isabel era uma flor muito fina, mas não rara, advogada competente, escritório próprio e bem frequentado. Ajudaria de forma muitíssimo nobre aquele homem. Receberia centavo por centavo, cada minuto de companhia ou instrução de educação.

Os clientes eram cada vez mais frequentes... Em pouco tempo era procurada por outros Antunes, sua fama era imensa, a doce e amável mulher, educada, porcelana que ornava as salas, canto que enchia as manhãs, aquela que provocava suspiros e invejas...Ninguém suspeitava...Uma grande mulher ou uma grande ratazana?

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