quarta-feira, 13 de junho de 2012

Não é Preciso Dizer Adeus


Pegou os elementos rústicos e guardou-os no fundo de uma caixa.Olhou-se.Estava muito bonita,perfumada,penteada...Rodava  os anéis nos dedos como um bambolê.As meias eram novas,e a tiara bordada também era.
-Vamos.
Rute não se despediu de nada.Somente no futuro poderia dimensionar aquela partida,aquela ruptura com o sertão.
Os anos passaram-se,e nossa Rute observava do portão os filhos dobrarem a rua pra irem à escola.Um aperto no coração.Era a primeira vez que iam sozinhos.Estavam grandes.Quase adultos.
"Mentira".Disse pra si mesma.Eram apenas crianças.Daqui a pouco ligaria pra escola,queria ter certeza que chegariam bem...
Entrou em casa desnorteada,segurando-se nas paredes,sentou-se perto da janela.Estava preocupada.
-Rute!Gritou uma vizinha no portão.
-Agora não posso.Estou ocupada.
Continuou ali na janela vendo a vizinha ir embora.
-Que ocupada que nada.Ela estava era na janela vendo a vida alheia.Pensou a outra seguindo o caminho de volta até em casa.
As horas iam passando.Precisava por as coisas em ordem, fazer o almoço,tirar as roupas do varal,arrumar as gavetas...E foi dentro de uma gaveta que encontrou a caixa,limpou-a com um pano seco e deixou-a  na sala esperando a volta das crianças.Fechou a porta de casa.Saiu pra buscá-las.
Conversaram animadamente durante todo o caminho.Alexandre e Fernanda contavam pra mãe a grande aventura que tinha sido a primeira ida sozinhos até a escola.
-Fizemos como a senhora disse mamãe.Nada de conversas com estranhos.Disse Alexandre.
-Tenho duas surpresas esperando por vocês lá em casa.Disse a mãe sorrindo contente.
-Conta mamãe.Pediram os dois a um só tempo com olhinhos ansiosos pelas novidades.
Depois do almoço a primeira surpresa surpresa:
-O sorvete de abacaxi que vocês tanto gostam.Disse orgulhosa.
Enquanto as crianças se deliciavam com a sobremesa Rute pegou a caixinha e colocou-a no colo.
Alexandre sempre atento não perdia nenhum detalhe.
-Mamãe que caixa é essa?
-Venham cá.Aproximem-se.
Elas se aproximaram repletas de curiosidade.
-Que há aí dentro? Disse Nanda.
A mulher abriu a caixinha de madeira e lentamente tirou um a um os objetos,mostrando-os aos filhos.
-Um anel!Exclamou Fernanda com os olhos faiscantes.
-Era da mamãe quando ela era assim quase do seu tamanho.Falou Rute.
-Uma boneca de pano mano.Olhe o tamanho dela...Bem pequena.
-Uma sandália e que cheiro engraçado ela tem.
-É de couro filho,é o cheiro do couro.Foi minha primeira sandália.
Ficaram ali brincando durante toda a tarde com os resquícios da meninice de Rute.A saudade apertando no peito a cada brincadeira dos filhos.Era ela ali de novo,vivendo de novo,perpetuando-se...Uma forma de nunca dizer adeus...Como nunca soubera dizer pra sua terra.Nem sempre é preciso dizer adeus...

3 comentários:

  1. Um conto bem maduro, temática abordada é apaixoante - essa coisa do lar, família, mãe e filhos. O medo das ruas, o vizinho fofoqueiro - os sentimentos sempre aportando no mar das emoções. Buscar o passado em objetos queridos.mas, o conto vai mais além, é que me faltam palavras. A cada conto seu lido, sinto uma maturidade, como escritora, que até me inveja.

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  2. A memória sempre nos nega o adeus! Gostei muito do conto, eu sou uma saudosista assim como Rute. Acho que o legal dos seus contos é que entre uma situação e outra a gente se vê nele e automaticamente reavivamos memórias. Parabéns!

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  3. Tão bem escrito que falar sobre pode se tornar até um crime, já que as palavras nem sempre conseguem expressar aquilo que sentimos. Então, para não correr maiores riscos, me atenho apenas a parabenizá-la!
    :*

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