sexta-feira, 12 de julho de 2013

"Quem dá aos pobres empresta a Deus"

-Pra onde vamos hoje?
-Ih, o dia tá tão morgado. Melhor ficar em casa.
-Então o dia não está morgado. Corrigiu a outra. Morgada está você.
Riram ambas. Mas o riso de Ana estava triste.
-O que há Ana? Disse a amiga.
-Desde que a empresa em que eu trabalhava fechou não consegui outro emprego. A situação lá em casa está difícil.
-É aqui em casa as coisas também estão difíceis. Mentiu a outra. Baixou os olhos fingindo uma lágrima. Ou talvez fosse a vergonha batendo-lhe a porta depois da falseta?
O caso é que não tardou em despedir a outra. Contudo algumas semanas depois podemos encontrá-las mais uma vez juntas.
Ana abraçou a amiga com sinceridade e a consolou, esta se acolheu em seus braços, pois sofria terrivelmente. Havia alguns dias a sua mãe acabara de morrer num acidente de carro.
Júlia parecia mais confortada depois das palavras de consolo de Ana. Ainda permaneceram um pouco juntas.
-Quer vir comigo a igreja? Disse Júlia.
-Vamos sim. Foram juntas, mas juntas não voltaram.
Em verdade Júlia procurava a igreja não por crer em realmente em Deus, mas como que para aliviar a própria consciência. Ao ver Ana ir embora Júlia lembrou-se por um momento que a outra havia perdido o emprego, tinha filhos e era viúva.
-Júlia! Disse alguém ao vê-la ali parada na entrada da igreja.
 Era uma jovem que a convidava para um aniversário que seria nos próximos dias e diante daquele convite festivo ela esqueceu todo o resto, inclusive que sofria. E não só ela. A amiga também deveria estar sofrendo. Mas depois se ocuparia disso. Era necessário comprar o presente da aniversariante, ver a melhor roupa, ah ainda tinha os sapatos. Quase não os tinha.
Do outro lado da cidade havia uma mulher que sentia fome assim como os seus filhos. Estava cansada, pois tinha naquele dia andado muito para ver sua amiga. Ana não tinha religião, mas acreditava fervorosamente que uma força de superioridade angélica havia criado todo o universo e os homens que nele habitavam.
Júlia deve está sofrendo muito. Pensava consigo mesma. Mal sabia ela que a amiga havia encontrado divertimentos capazes de fazê-la esquecer não só suas dores mas também as do próximo.
No dia da referida festa estava lá a nossa Júlia, bonita e muito bem vestida. Mas nenhum dos convidados veio apertar-lhe a mão ou saber se sofria. A maioria deles estranhava ela estar ali depois de tão pouco tempo da morte de mãe, mas que tinham com isso? Pensava ela, que acreditava merecer também o seu quinhão de felicidade, eu particularmente não a desminto, mas esquecia-se ela de coisas mais importantes.
Em meio aquela multidão convulsa ela estava só. Embora ostentasse felicidade ela verdadeiramente não a tinha. Fechou os olhos e viu Ana a sua frente, Ana e seus filhos passando fome. Por que não ajudar aquela tão boa amiga que a havia consolado em sua tristeza?
-Já está indo embora Júlia? Era o Almeida. Um homem de seus 35 anos. Muito bonito.
Está sentiu horror ao olhá-lo. Era a primeira vez que sentia aquilo ao olhar alguém. Um medo indefinido. Desvencilhou-se de suas mãos que a seguravam pelo braço e saiu.
-Júlia. Gritou ele ainda uma vez com a intenção de atraí-la de volta.
Ela já não o ouviu. Longe dali mas bem  perto de seu coração havia alguém que ela precisava ver, saciar a fome, mas não só de comida, de compaixão e amor humanos; pois “quem dá aos pobres empresta a Deus”.


2 comentários:

  1. Bem escrito,mas não gosto de finais melosos.


    LG

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  2. Você reclama dos finais tristes também, pois costuma dizer que sou muito má com meus personagens..Assim fica difícil entender você.rs
    Abração
    :)

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