sexta-feira, 29 de julho de 2011

Ruínas - Parte I

Sentaram lado a lado "comemorando" a demissão.
O mais velho,com ar experiente,não pelos anos a mais e sim pela vivência,olhava o prédio fronteiriço com desdém.
-Olhe bem pra ele Maurício:é a soma da nossa decadência.
-Ruína é eu não pagar minhas contas no final do mês,isso é ruína.Quem diria uma empresa tão sólida...
-Aparências,meu caro.Dizem que um dos sócios estava desviando dinheiro.
-Hum...Preciso procurar outro emprego.
-Tsc,tsc.Com essa cara de doente? (Bateu com força nas costas do moço magro que estava ao lado dele).
Despediram-se com tapinhas nas costas.
O mais moço chegando em casa encontra a mulher chorosa.
-O que você tem Rosa?
-Estou tão cansada...
-Cansada de quê?
-Como de quê?(Estava alterada.Passeando por toda a sala,gesticulando,falava alto;berrava...Ele odiava isso.)
-Dá pra falar mais baixo?Tenha um pouco de educação,por favor.
-Educação?Você vem me falar de educação?Cadê a comida no prato?A roupa pra vestir?Olhe pra mim(disse aquilo pegando a cara dele com força,obrigando-o a olhar pra ela)esta vendo minhas rugas de preocupação?Olhe pro seu filho mirrado,ventre crescido,estendendo as mãos procurando comida.Tem certeza que devemos falar de educação?
Os olhos dele estavam aflitos olhando pra aquele ser desafiador a sua frente,sentia-se ínfimo perto dela,asqueroso,infame;desempregado.
Uma mãozinha delicada desferiu o último golpe em seu coração.
-Pai!Estou com fome - Exclamou o pequeno puxando-lhe a calça rota.
Pegou o filhinho no colo,acariciou-lhe os cabelos.Deu o dedo pra que ele chupasse.Os armários estavam vazios,a geladeira...Enfim qualquer reserva estava finda,até por que não havia reserva.Estava tonto de fome,chamou a mulher pra perto de si...Choraram,compartilharam aquele momento de dor,ali juntos,calados...Havia um ser no mundo que dependia deles,não poderiam falhar.
Depois do pequeno adormecer,chamou a mulher a um canto.
-Fui despedido.A empreiteira faliu.
Desabou sem sentidos no chão.Estava morta.Uma morte moral e não física.
Em alguns momentos a miséria nos visita de uma forma aparentemente irreversível...Muita pena do Maurício e dos acontecimentos posteriores...

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Manicômio

-Cof!Cof!
-Diga trinta e três.
Repetiu a recomendação.
-E,então doutor,o que tenho?
-Uma pneumonia, minha cara.

Fez muxoxo.Estava doente.
O médico notando os temores íntimos da paciente, disse-lhe:

-Calma minha filha!
O rosto da jovem foi perdendo a palidez...Iluminando-se pouco a pouco enquanto o médico prescrevia o tratamento,mas ao ouvir aquilo Mônica arregalou os olhos num susto indizível quando ele enfim fez audível o veredito:
-Duas colheres de lágrimas,das de sopa,antes de cada refeição,ou seja 3 vezes ao dia e durante seis meses.
-Lágrimas doutor?!Levantou-se exasperada.
-Estás doido?
-Qual de nós é o médico?

No dia seguinte...
Logo nas primeiras doses do remédio que caia como um conta gotas na colher,viu-se refletida naquela minúscula porção d'água:
A face preenchida por sulcos e rugas enormes.
Estava resoluta: procuraria outro especialista.Aquele era um tratamento absurdo!Não conseguia imaginar-se numa situação como aquela por meses...

Levantou-se.Vestiu-se.Fechou a porta atrás de si. Encerrou também o tratamento maluco por conta própria.
Dias depois ficou sabendo da prisão de um falso médico que estivera anos foragido e agora estava sendo reconduzido ao manicômio judiciário

terça-feira, 19 de julho de 2011

O dia que nunca existiu

Acordou cedo. Os olhos estavam cansados dos preparativos da véspera, não a decepcionaria.
Tomou o café rapidamente, folheou os jornais com displicência.

-Olá. Você chegou cedo. Disse-lhe beijando-a de leve nos lábios.
-Assim você tira meu batom, um pouco menos de euforia nesses cumprimentos.
-Pra mulher da minha vida.
As mãos estavam trêmulas ao tocar o ramalhete que ele ofertara a si. As flores airosas envolviam-lhe a cintura, os lábios, toda ela; como ele faria sem hesitações; num dado momento recuou como que se estivesse sendo acuada por perigoso animal,olhou pra ele como se o visse pela primeira vez num show de horrores.
-O que tens Val?
-Acabou.
-Como assim acabou?Em pleno 12 de junho você só tem isso pra me dizer?
-Só. Não deu explicações, deixou as belas rosas na mesinha do restaurante,não voltariam a ver-se.
Olhei tudo aquilo atônito, até o momento não saberia dizer o que ou por que as coisas terminaram, pra mim estávamos começando, pra ela já era o último capitulo, daqueles de muita audiência; o público ali era imenso; engoli meu orgulho e sai de fininho, cabeça erguida como se nada tivesse acontecido e na verdade nada havia ocorrido, fui somente notificado de algo; como o fim de um contrato indesejado pra uma das partes.
Não chorei. Não gritei ou tentei dissuadi-la naquele momento nem posteriormente. Em casa ainda tonto com a situação havia uma ideia martelando dentro de mim:
-Esse dia não existe. Apague-o.
Primeiro passo foi ir até a lata de lixo da rua e jogar as flores fora, depois vieram os presentinhos, cartinhas, fotos, endereços, coisas compradas juntos, e uma listinha interminável disso ou aquilo que os casais insistem em acumular, mas que eu estava deixando pra trás ou melhor destruindo vestígios,todos eles.
Os últimos e decisivos passos foram rasgar o dia 12 do calendário da folhinha e apagar do celular aquela data, como não consegui fazer aquilo quebrei o aparelho em pedacinhos assim resolvia de vez dois problemas: o da presença infame da data como também o da criatura resolver ligar. Naquele ponto da história ela não era mais meu amor e sim uma coisa, uma coisa que um dia inventei e agora estava deixando partir.

Para lelas e verticais

As linhas na pele denunciavam a idade avançada. Vestes negras. Emudecida fala; tinha uma garotinha encostada ao peito, contando uma a uma as batidas do velho coração, acariciava-lhe os cabelos ralos e finos, desfiava-os, como areia a escorrer entre os dedos.
De repente um grito, louças se estilhaçando na cozinha, soluços e lágrimas.
A minha vida não é uma história propriamente dita, são recortes imaginários, são retas que ora se cruzam, ora não se tocam jamais, sendo inúteis aí as inúmeras afinidades; não quero com isso propor a tese de que os opostos se atraem como inclusive a física poderia sugerir, quero, porém, dizer com isso que a vida é construída a partir de retas paralelas e verticais e das várias ‘’combinações’’ existentes entre elas.
- Bom dia!Por favor, eu poderia falar com a senhora Manoella?
- Diga sou eu mesma.
- Bem senhora desculpe o incomodo, mas acho que é algo de seu interesse...
Ouve o clique do telefone sendo desligado do outro lado da linha.
O que haveria de ser?O que poderia ser de seu interesse?
O telefone toca novamente.
-Bom dia!Falo novamente com a senhora Manoella?
-Certamente.
- Aqui é do hospital onde sua avó está internada..
-Desculpe, só pode haver algum engano não tenho nenhuma avó internada.
-A senhora chama-se Manoella Freitas?
-Sim sou eu mesma.
-Então estou falando com a pessoa certa!
-Minha filha  você só pode está se referindo a algum homônimo meu.
-Ho o que senhora?                                    
-Você pode passar o endereço do hospital?
-Sabia que ia se interessar!
-Não se trata propriamente de interesse, mas de corrigir um engano, um mal entendido.
- Confesse a senhora ficou intrigada não ficou?
-Você poderia se ater  somente ao seu lado profissional e deixar suas curiosidades de lado?
Riscou o endereço várias vezes com os olhos,ousou apagá-lo,contudo seria capaz de fazer o percurso de olhos fechados.
A telefonista estava certa era um assunto de seu interesse.
-A senhora ta vendo aquele corredor?Siga em frente, depois da bifurcação dobre a esquerda quarto 307.
Todo o corpo vacilava diante da situação. Meu Deus!Havia um homem guardando a porta, identificou-se e ouviu:
-Ela está esperando por você!Esperou por esse dia durante... Durante... Desculpe é melhor a senhora entrar.
O estilhaçar da louça, gritos, intensa correria, soluços e lágrimas.
Abraçou-a amorosamente como se estivesse abraçando a sua própria vida, ou o seu momento final. Olhou-a nos olhos gastos, beijou-lhe as faces descoradas.
-Minha filha!Que bom que veio... Sabia que viria!
-Não diga nada, por favor, perdoe-me... Simplesmente me deixa te abraçar, ouvir o teu coração.Eu te amo tanto, esperei tanto pra te dizer isso e naquele tempo eu... Eu nem conseguia falar...
-Segure a minha mão, por favor!Eu precisava tanto de você, tanto... Aperta minha mão pra que eu possa ir...
Lela apertou-lhe as mãos que estavam ficando cada vez mais frias, olhou-a nos olhos, foi a última vez que vira aqueles olhos.
De repente gritos, correria intensa pelo hospital, mal conseguia suster-se de pé.
-Calma senhora sente aqui. Ela só chamava por você, era de sua presença que precisava pra partir, me disse isso, e disse também o quanto a amava.
  -Eu jamais havia visto aquela senhora antes.
Tomou as velhas mãos entre as suas e contou do telefonema recebido pela manhã.
-Não sei se me entende, mas foi a mesma dor, talvez até pior, agora ela estava misturada a sentimentos amargos e dores que não sentia quando criança.