sábado, 14 de setembro de 2013

192 - Emergência

Burburinho intenso. Pessoas se acotovelando pra entrar no ônibus. Nesta noite Luana não era uma delas. Não precisaria enfrentar empurrões ou ouvir a gritaria da garotada que enchia quase metade do veículo naquele horário. Onde estaria nossa mulher?
E o pobre escritor dessa narrativa foi encontrá-la chorosa, infinitamente mais pobre do que ele próprio. Sentada no chão da cozinha pernas estendidas, mãos trêmulas, pratos sujos na pia. Era a expressão do desalento.
-Luana, o que houve? Você está bem? Disse Carlos – O marido.
Eu, narrador aproximei-me dela sem ser visto por seu esposo, característica específica de pessoas como eu, alisei o seu lindo rosto nodoado por lágrimas espessas que caíam insistentemente. Quis pô-la em meu colo, mas não foi possível, antes que eu tentasse Carlos o fez. Afastei-me então do casal e vi que eles conversavam.
-Não sei como te dizer isso...Mas eu não tive culpa. Seu corpo tremia nos braços dele que a estreitava cada vez mais de encontro a si. Carlos parecia adivinhar a cena.
-Sei que não foi culpa sua. Ao dizer isso observou as mãos da mulher sobre o ventre o que comprovava as suas suspeitas.
-Perdi Carlos. Eu perdi...
-Não diga nada Lu. Imagino o que houve. Também dói em mim.
Os espasmos e tremores foram cessando aos poucos até que ela adormecesse em seus braços.
Carlos tateou os bolsos em busca do celular.


-Minha esposa acabou de perder nosso filho. Aborto espontâneo. Preciso de ajuda.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

A Caderneta de Hermínia

Presos em um belo coque os ruivos cabelos de Hermínia emprestavam um ar de seriedade a moldura de seu rosto. Os olhos negros, profundos, pareciam perscrutar cada fresta de porta ou janela, ou ainda o mínimo sentimento que ousasse adentrar aquela sala. Olhos baixos, lia algo em sua caderneta, rascunhava frases curtas enquanto teimava em prender dois anéis dos cabelos que lhe escapavam do penteado. Era uma luta interessante: a menor tentativa de prendê-los estes lhe escapuliam dos dedos, mas se afrouxava a peleja eles caíam-lhe sobre os olhos causando incômodo. E era preciso ler e anotar, na ordem inversa, mas de qualquer forma era preciso o máximo de sua atenção.
-Dona Hermínia, trouxe o seu café. Vai querer com ou sem açúcar?
Ela ao menos suspendeu a vista. Engoliu a raiva que se formava em seu peito e pediu que levasse o café de volta.Naquele momento ele poderia estragar tudo.
-Estragar o que senhora? Não entendo como...
-Melhor deixar pra outra hora sim? Levantou os olhos de veludo e mirou aquela senhora meiga e forte que portava a xícara de café.
-Volto depois então.
-Onde eu estava mesmo? Ah, sim aqui. Na página 35 da caderneta por ela mesmo numerada lia-se: escrever poema para o recital.
E naquele instante como em um sonho viu-se transportada, arrastada pelas salas ricamente iluminadas por lustres e candelabros, e bailava nos braços daquele que se chamava Gonçalves Dias, o mesmo que um dia proferiu: “isso é amor e desse amor se morre”. E ela morria de amores por ele. Ah, Gonçalves querido quisera eu compartilhar um só de seus dias e beber em sua taça as melhores inspirações. Mais do que nunca desejara eu ter boas ideias.
Viu-se ali a rodopiar nos braços do seu querido poeta, a passar dos braços dele para os de outros homens não menos nobres e interessantes: Castro Alves, Manuel Bandeira, Carlos Drummond; e de cada um ouviu um conselho, o que lhe servia de inspiração para que continuasse o que eles chamavam de “promissora carreira no ramo das letras”.
Enquanto valsávamos Drummond olhou-me profundamente nos olhos e disse: seja bem vinda às letras, cultive-as com amor, incondicional e maternalmente. Deitei a cabeça em seu ombro e ele me acolheu num fervoroso abraço. ”Poesia é negócio de grande responsabilidade”. Eu assenti com a cabeça, sabia que não estava preparada para aquilo, não ainda.
Ao acordar do sonho estava escrito como que por encanto em minha caderneta: escrever é uma escravidão, uma escravidão maravilhosa, mais cedo ou mais tarde você vai perceber isso.
Eu já havia percebido, mas por enquanto, ao menos por enquanto ficaria apenas com a prosa, deixaria a poesia pra eles que sempre foram melhores e mais doutos que eu. Ao menos por enquanto não estava preparada para aquilo.


sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Fanatismo ou Milagre

Olhou a furto a compota de frutas que a mãe estava preparando. Cosme e Damião, os santinhos da mamãe espiavam lá de dentro com seus olhinhos esbugalhados de tanto espanto, havia um espaço entre nós, porém viam, ou antes, anteviam todas as minhas más ações fossem concretas ou intentadas. Um de nós não sabia com quem estava se metendo.
Pé ante pé me preparava pra agarrar aquela delicia em calda, já podia sentir seu gosto açucarado em meus lábios, e como não podia deixar de ser também a surra que eu levaria,estava tudo arquitetado, talvez nem chegasse a apanhar.
-Quem foi o arteiro duma figa que comeu todo o doce?
Todos calados: ninguém acusava ninguém. Meus olhos passavam do irmão mais novo ao do meio, e se um deles me delatasse?Era como se pudesse ouvir do menorzinho:
-Mano que é delatar?Aí sim quem bateria nele seria eu.
- Um.
-Dois.
-Vou contar somente até três quero saber qual de vocês comeu o doce!
-Foi Cosme e Damião mamãe.
-Você deveria ter vergonha de acusar seus irmãos menores, bem se vê que foste tu o ladrãozinho, olhe pra carinha deles morrendo de medo, estão trêmulos.
Interrompendo aquele raciocínio maternal eu que já era exatamente quem sou hoje surgi com essa:
-Mamãe foi um milagre!Foram os santos, a senhora não observa?
-Está de castigo pior que acusar os manos é por a culpa em santos verdadeiros de minha eterna devoção. Saia de minhas vistas e é pra já!
-Espere minha mãe não está vendo?Tô falando a verdade... Já colocou reparo nas mãos dos santos?
-Estão sujas de calda... Diante de tal assombro mandou que fôssemos brincar lá fora.
-Deus seja louvado vou acender as velas que tinha prometido pra vosmecês!Um sinal... Tudo que eu esperava... Um sinal!
Dias mais tarde papai teve alta do hospital.
Chorei baixinho enrolado nas cobertas aquela noite lembrando o ocorrido, um dia alguém como eu participou uma mensagem divina.


sexta-feira, 16 de agosto de 2013

A Mão

-Até logo. Acenou pro rapaz.
Girou a chave na fechadura. Certificou-se que a porta estava bem trancada.
"Ufa estava livre de mais um pretendente a chato. Digo a namorado. Eram todos iguais a ele. Todos se afastavam com o tempo."
-"Você é muito diferente". Diziam.
"Você quer dizer que sou estranha"?
-"Claro que não. Te ligo amanhã".
Nunca mais nenhum deles ligava.

Num bar próximo rapazes conversavam.

-Pois é Raul, ela é muito estranha.
-Estranha como? Ela é de marte?
-Parece mesmo um E.T. aquela mulher.
-Ela é tão feia assim Saulo?
-Vânia é linda.
-E, então homem como ela pode ser um E.T?
-E.T. = estranha. Já disse pra você que ela é estranha. Preste bem atenção Raul: ela faz tudo com a mão esquerda.
-Ora, não seja besta ela deve ser canhota.
-Não é o caso. Garanto.
-Ela acena com mão esquerda. Segura objetos com a mão esquerda. Só penteia o cabelo usando essa mão, abre portas, fecha janelas ,gira maçanetas, faz carinho.
-Já te falei pra deixar de bobagens. Ela é canhota. Deixe isso pra lá.
-Qual canhota qual nada. Ela disse pra mim claramente:
-"Não uso a mão direita. Não gosto. Uso somente a esquerda pra tudo que pensar."
-E, qual o motivo desse grande terremoto Raul?
-Ela diz que o lado esquerdo é o lado do coração, da sinceridade. Veja se tem cabimento isso Saulo?
-O que não tem cabimento Raul é você não querer mais vê-la por causa duma bobagem dessa.
-Como bobagem? Ela é diferente,estranha. Uma garota de esquerda.

Raul levantou e deixou o amigo sozinho. Gostava de pessoas de esquerda. E Saulo decididamente não era uma delas.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Tardes de Agosto

Alice e Miguel, mãe e filho, haviam mudado pro bairro Alameda dos Ipês há pouco tempo... Naquela época eles eram muito comuns por ali. Dos roxos aos amarelos eles enchiam a vista de todos que ali passassem.
O garoto contava então quase sete anos, curioso que era estava quase chegando na idade da razão, vivia até aquele momento sua primeira infância.
-Miguel que tanto você olha na janela?
-Nada mamãe.
-Todo dia de tardezinha você fica aí parado, deixa de estudar ou brincar, sempre as mesmas horas pra vir olhar a janela.
-Gosto de ver as pessoas passando.
Pequeno que era ele ficava na pontinha dos pés observando aquilo que era seu alento o seu amor. Havia posto seu nome de Laura. Era mesmo linda. Qual seria seu verdadeiro nome?
Laura era morena, cabelos negros e cacheados sobre os ombros, aparentava ter a mesma idade do Miguel. Ficava ali também nas mesmas horas, parecia sempre olhá-lo. Costumava acontecer de Alice chamar o filho ou esse distrair-se rapidamente com algum pequeno brinquedo ou passante, o fato é que ao retornar ela já não estava lá e o seu peito infantil se comprimia em saudades.
Depois de uma ou duas semanas a mãe do Miguel começou a notá-lo cada vez mais distraído e aéreo.
Já não tinha sono ou fome. Era um custo fazer com que ele dormisse.
Esse garoto tá estranho pensou ela e com razão. Vou leva-lo ao médico.Mas não foi preciso.
Um dia. Dois. No terceiro ele não aguentou. Esperou uma distração da mãe e saiu.Bateu na casa da frente e esperou.
-Pois não? Oh, um garotinho, como se chama filho?
-Miguel. Vim ver a Laura.
-Quem é Laura?
-Ela mora aí com a senhora. É minha namorada.
-Não pode ser. Não tem nenhuma Laura aqui.
Dizendo isso o menino agoniado que estava fez menção de entrar na casa.
-Espere. Disse Vivalda. Acho que sei o que se passa. Entre e venha ver.

E tal não foi sua decepção ao ver a sua amada ali diante de si. Não uma menina como imaginara. Mas uma boneca.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Dia" D"

Era um sábado e talvez por isso Márcio acordasse tarde aquela manhã.
-Márcio! Isso são horas de um pai de família está dormindo? Deixe de preguiça e levante.
Márcio esfregou os olhos, estava ainda muito sonolento. Que horas seriam?
-Levante homem.
Rafaela já estava irritada com toda aquela preguiça e lentidão do marido.
-Sabe homem? Você não presta pra nada. Nem pra trazer comida pra casa. Eu devia te vender no bazar da igreja. Será que alguma doida iria te querer? Ria sozinha. Acho que a doida era ela.
Márcio levantou-se, mecanicamente vestiu-se e banhou-se. Não comeu, pois a mulher o seguia em todos cantos da casa, fosse no banheiro ou no quarto aquele homem não tinha paz.
Olhou bem pra esposa...Estavam casados há mais de 6 anos. E era sempre aquilo. Sempre uma ladainha chata como aquela. Não havia um momento de carinho ou amor. A mulher reclamava até no sexo, será que ele era ruim de cama? Não. A negativa surgiu imediatamente em sua cabeça, o caso não era aquele, não era desse tipo de coisa que ela reclamava na hora “h” e sim de outras tantas coisinhas que haviam ocorrido no dia. Foram anos somando problemas, reclamações e grosserias até olhar bem pra ela como estava olhando agora e ver que não a amava, pra bem dizer a verdade nem saberia dizer o por que haviam casado.
Ele juntou coragem e disse:
-Acabou Rafaela. Esse é o fim dos seis anos juntos.

A mulher parecia verdadeiramente aliviada. Acho que era isso que ela esperava durante esses anos. Enfim ele, um palerma, segundo opinião dela havia tomado uma atitude. Foi naquele momento que ela passou a amá-lo.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

"Quem dá aos pobres empresta a Deus"

-Pra onde vamos hoje?
-Ih, o dia tá tão morgado. Melhor ficar em casa.
-Então o dia não está morgado. Corrigiu a outra. Morgada está você.
Riram ambas. Mas o riso de Ana estava triste.
-O que há Ana? Disse a amiga.
-Desde que a empresa em que eu trabalhava fechou não consegui outro emprego. A situação lá em casa está difícil.
-É aqui em casa as coisas também estão difíceis. Mentiu a outra. Baixou os olhos fingindo uma lágrima. Ou talvez fosse a vergonha batendo-lhe a porta depois da falseta?
O caso é que não tardou em despedir a outra. Contudo algumas semanas depois podemos encontrá-las mais uma vez juntas.
Ana abraçou a amiga com sinceridade e a consolou, esta se acolheu em seus braços, pois sofria terrivelmente. Havia alguns dias a sua mãe acabara de morrer num acidente de carro.
Júlia parecia mais confortada depois das palavras de consolo de Ana. Ainda permaneceram um pouco juntas.
-Quer vir comigo a igreja? Disse Júlia.
-Vamos sim. Foram juntas, mas juntas não voltaram.
Em verdade Júlia procurava a igreja não por crer em realmente em Deus, mas como que para aliviar a própria consciência. Ao ver Ana ir embora Júlia lembrou-se por um momento que a outra havia perdido o emprego, tinha filhos e era viúva.
-Júlia! Disse alguém ao vê-la ali parada na entrada da igreja.
 Era uma jovem que a convidava para um aniversário que seria nos próximos dias e diante daquele convite festivo ela esqueceu todo o resto, inclusive que sofria. E não só ela. A amiga também deveria estar sofrendo. Mas depois se ocuparia disso. Era necessário comprar o presente da aniversariante, ver a melhor roupa, ah ainda tinha os sapatos. Quase não os tinha.
Do outro lado da cidade havia uma mulher que sentia fome assim como os seus filhos. Estava cansada, pois tinha naquele dia andado muito para ver sua amiga. Ana não tinha religião, mas acreditava fervorosamente que uma força de superioridade angélica havia criado todo o universo e os homens que nele habitavam.
Júlia deve está sofrendo muito. Pensava consigo mesma. Mal sabia ela que a amiga havia encontrado divertimentos capazes de fazê-la esquecer não só suas dores mas também as do próximo.
No dia da referida festa estava lá a nossa Júlia, bonita e muito bem vestida. Mas nenhum dos convidados veio apertar-lhe a mão ou saber se sofria. A maioria deles estranhava ela estar ali depois de tão pouco tempo da morte de mãe, mas que tinham com isso? Pensava ela, que acreditava merecer também o seu quinhão de felicidade, eu particularmente não a desminto, mas esquecia-se ela de coisas mais importantes.
Em meio aquela multidão convulsa ela estava só. Embora ostentasse felicidade ela verdadeiramente não a tinha. Fechou os olhos e viu Ana a sua frente, Ana e seus filhos passando fome. Por que não ajudar aquela tão boa amiga que a havia consolado em sua tristeza?
-Já está indo embora Júlia? Era o Almeida. Um homem de seus 35 anos. Muito bonito.
Está sentiu horror ao olhá-lo. Era a primeira vez que sentia aquilo ao olhar alguém. Um medo indefinido. Desvencilhou-se de suas mãos que a seguravam pelo braço e saiu.
-Júlia. Gritou ele ainda uma vez com a intenção de atraí-la de volta.
Ela já não o ouviu. Longe dali mas bem  perto de seu coração havia alguém que ela precisava ver, saciar a fome, mas não só de comida, de compaixão e amor humanos; pois “quem dá aos pobres empresta a Deus”.


sexta-feira, 5 de julho de 2013

Zuza


(Imagem retirada do blog: Fazendo a nossa festa colorir)

-Filó, cadê o Zuza?
-Deve está lá fora brincando.
-O céu tá todo armado. Acho que vai chover. A voz era rouca como se cada palavra tivesse saído com muito esforço das entranhas daquele homem. Roberto era considerado entre os seus um bom pai de família; nunca havia deixado faltar nada para a mulher ou para os filhos: Zuza e Raquel. Em verdade ele era mesmo um bom pai e nutria verdadeira adoração pelo Zuza, via naquele garoto a continuação de si mesmo, uma maneira de perpetuar-se através do tempo, faria dele um grande homem: fiel a seus deveres e compromissos. Além de pai e esposo Roberto era um brasileiro fanático pela pátria de chuteiras, destes que já não há.
-Zuza, oh Zuza! Entre meu filho. Você não tá vendo que vai chover?
-Já vou mãe. Pera mais um pouco.
-Entra agora.
-Mas mãe o jogo tá...
-Nem mais nem meio mais Zuza. Dê tchau aos seus colegas e entre logo. O jogo pode ficar pra outra hora.
-Poxa mãe! Logo hoje que eu ia passar o Zinho na artilharia do time?
Filó fazia-se de surda. Que negócio é esse de artilheiro de time? Filho seu tem é que estudar, por a cara no livro: ser um grande homem.
-E aí filhão? Como foi o jogo?
A partir daí foi um converseiro sem fim sobre a pelada daquele dia, ou sobre o baba como se fala aqui na Bahia. Mas antes de baianos eram brasileiros, adoravam futebol, aliás: os homens da casa gostavam, as mulheres preferiam a novela.
-Roberto, deixa o menino em paz. Para de encher a cabeça dele com isso de ser jogador de futebol, você é um alienado. Não se vive de futebol.
-Como não se vive? Neymar, Fred, Rivaldo e outros e outros mais por aí vivem de que se não é de futebol?
-Estou falando de vida normal.
-E que há de anormal nisso?
-Nosso filho tem é que estudar, ele precisa é se mirar mais no exemplo da irmã. Já viu como a Raquel é estudiosa? Vai ser veterinária, ela já te disse isso? Não né? Você nem olha pra ela. Vive pro Zuza e pra esse seu sonho idiota de fazer dele um jogador.
-Isso não é verdade. Sou um bom pai e você sabe disso.Só que a Raquel não precisa de mim como o Zuza.
-Deixa eu adivinhar! Ele precisa dos conselhos de um jogador de futebol frustrado que nem você? Sabe qual é o teu problema? Você queria ter nascido um Roberto Dinamite, mas fazer o quê? Ele nasceu antes de você, paciência meu bem. Disse Filó irônica enquanto batia no ombro do esposo.
-Quanta bobagem!
A discussão ia longe. Havia ultrapassado o jornal. Já estava na novela das 9 e nada. Até que o Zuza aproximou-se e disse:
-Sabe pai? Não quero mais ser jogador de futebol. Quero fazer novela que nem aquele ator. Ser protagonista ao lado de uma atriz bonita que nem aquela, olha lá.
Roberto estava decepcionado com o Zuza. Filó porém exultava. Havia vencido o marido.



sexta-feira, 28 de junho de 2013

Natércia

Hoje Natércia deu seu último mergulho naquele mar,pela última vez pisou a areia branquinha e fina que teimava em se meter entre os seus dedos.Deitou-se na praia.Ficou olhando as nuvens de dentro do seu chapéu vazado.Uma proteção e um esconderijo.
Em poucos dias mudou-se pro interior do estado.Pessoas diferentes,hábitos também.Sotaques carregados,acabou viciando naquilo rapidinho;falava arrastado agora.As roupas eram mais simples,os cabelos menos emperiquitados. Não estava menos bonita.Era apenas mais natural.Aquele ar doce e quente da nova terra penetrou todos os seus poros e ondeava levemente a barra do vestido verde que usava aquela tarde.
-Natércia!Alguém chamava lá longe...Tão distante.Quase inaudível.
Chamavam-na repetidas vezes.O som daquela voz era profundo e trazia lembranças comoventes.
Virou-se.Estava tão diferente.Quando nossos olhos se cruzaram os mortos ressuscitaram no cemitério,e a louça antiga voltou a ser bela.
-Natércia!Não cansava de chamar-me a todo instante.Havia me seguido até ali.
Mirou-me  muito seriamente.

domingo, 21 de abril de 2013

Mais uma Queda




Juliana estava de joelhos aos pés do altar. Orava. De sua parte também compenetrado, porém em questões mundanas o padre a olhava. Aquela mulher era uma bela ovelha: tão entregue, absorta, completamente apaixonada pelas questões do céu. Os cabelos caíam-lhe abundantemente pelos ombros cobertos, ela era todo recato: físico e espiritual. Seus lábios carnudos, cheios de amor... Eram um convite.
-Está no horário de sua confissão. Vamos filha?
Não muito longe dali ouvia-se:
-Aleluia senhor. Deus seja louvado e para sempre glorificado. Em nome do senhor.
-Amém. Disseram outras ovelhas. Estas evangélicas.
Após o culto e coleta das ofertas da noite. O pastor fechou-se em seus aposentos particulares contando as somas. Separando apenas uma ninharia para as obras da igreja. Os pobres... Pra que os pobres mesmo? Ah, par dar o óbolo da viúva, que dentro de sua imensa pobreza ainda assim reuniu condições para ajudar o seu próximo. Oh, pobre viúva! Pobres homens e mulheres que ao invés de encontrarem um pastor de almas encontraram um grande banqueiro.
O céu crispou-se de nuvens negras, Lúcifer caiu dos céus arrastando com ele um terço dos anjos. Em meio aquela escuridão rajadas de fogo cruzavam o horizonte indefinido das almas humanas, a queimar, a arder em suas paixões mundanas.
-Senhor! Senhor. Piedade para as almas humanas.
O altar católico ruiu. A imagem de Cristo chorou sangue diante da profanação que aquele padre orquestrou contra e com Juliana.
-Sua pele é tão macia. Cheirosa.
-O senhor não deveria fazer isso. É contra as leis de Deus e da igreja.

sábado, 26 de janeiro de 2013

Um Sol Nasce.Outro Morre.


-Um minuto, por favor.Era meu amigo Vinícius ao telefone e eu queria me certificar que a nossa conversa não seria ouvida por ninguém.Foi por isso que dispensei todos os presentes, que naquele instante se compunham de um séquito de primos e um gato.Sim, até do gato queria estar livre, pra falar das coisas mais banais  ou das mais importantes sem ser escutado.
-Pois, é meu caro.É exatamente o que eu te disse: minha mulher vai ter um filho, está grávida.Não é ótima a notícia?
-É, sim.Disse eu.
-Que é isso rapaz, você não tá alegre?
Quem nos ouvisse a conversa talvez não pudesse crer que éramos ambos apenas amigos, falando a verdade éramos mais que isso, éramos irmãos.
-Pra que fique decretado o quanto estou feliz, peço a você e a sua esposa que façam da criança que virá meu afilhado, irei batizá-lo.
-Pois considere acertado desde já.Esperamos você em nossa casa amanhã pra almoçar, vamos comemorar com mesa farta a vinda do nosso primeiro filho.
Sozinho adentrei aquele lar, no qual estavam reunidos amigos de minha verdadeira estima.Enquanto conversávamos animadamente esperamos por Laura.Era a aparição mais aguardada daquela manhã.
-Ela está no banho.Daqui a pouco estará entre nós.
-Garanto que estamos todos ansiosos pra vê-la e abraçá-la por essa tão grande boa nova.
Os presentes assentiram com a cabeça concordando.Da cozinha vinham cheiros convidativos ao paladar. Eu estava faminto.
Quando dei por mim lá estava Laura diante de todos nós, cercada de elogios, paparicada por todos, como não poderia deixar de ser.
-Mana, dê um abraço.Disse eu estendendo-lhe os braços.
Ela retribuiu amorosamente,naquele instante senti o quanto ela estava feliz com a nossa presença pra que compartilhássemos da sua felicidade.
Enquanto almoçávamos eu não me pude furtar de observá-la, não perdia um só movimento; meus olhos pulavam dela pra Vinícius, pensava no quanto eram felizes;  e como eu seria também feliz se pudesse ter filhos, se tivesse muito tempo de vida.