Presos em um belo coque os ruivos cabelos de Hermínia
emprestavam um ar de seriedade a moldura de seu rosto. Os olhos negros,
profundos, pareciam perscrutar cada fresta de porta ou janela, ou ainda o
mínimo sentimento que ousasse adentrar aquela sala. Olhos baixos, lia algo em
sua caderneta, rascunhava frases curtas enquanto teimava em prender dois anéis
dos cabelos que lhe escapavam do penteado. Era uma luta interessante: a menor
tentativa de prendê-los estes lhe escapuliam dos dedos, mas se afrouxava a
peleja eles caíam-lhe sobre os olhos causando incômodo. E era preciso ler e
anotar, na ordem inversa, mas de qualquer forma era preciso o máximo de sua
atenção.
-Dona Hermínia, trouxe o seu café. Vai querer com ou sem
açúcar?
Ela ao menos suspendeu a vista. Engoliu a raiva que se
formava em seu peito e pediu que levasse o café de volta.Naquele momento ele
poderia estragar tudo.
-Estragar o que senhora? Não entendo como...
-Melhor deixar pra outra hora sim? Levantou os olhos de
veludo e mirou aquela senhora meiga e forte que portava a xícara de café.
-Volto depois então.
-Onde eu estava mesmo? Ah, sim aqui. Na página 35 da
caderneta por ela mesmo numerada lia-se: escrever poema para o recital.
E naquele instante como em um sonho viu-se transportada,
arrastada pelas salas ricamente iluminadas por lustres e candelabros, e bailava
nos braços daquele que se chamava Gonçalves Dias, o mesmo que um dia proferiu: “isso
é amor e desse amor se morre”. E ela morria de amores por ele. Ah, Gonçalves
querido quisera eu compartilhar um só de seus dias e beber em sua taça as
melhores inspirações. Mais do que nunca desejara eu ter boas ideias.
Viu-se ali a rodopiar nos braços do seu querido poeta, a
passar dos braços dele para os de outros homens não menos nobres e
interessantes: Castro Alves, Manuel Bandeira, Carlos Drummond; e de cada um
ouviu um conselho, o que lhe servia de inspiração para que continuasse o que
eles chamavam de “promissora carreira no ramo das letras”.
Enquanto valsávamos Drummond olhou-me profundamente nos
olhos e disse: seja bem vinda às letras, cultive-as com amor, incondicional e
maternalmente. Deitei a cabeça em seu ombro e ele me acolheu num fervoroso
abraço. ”Poesia é negócio de grande responsabilidade”. Eu assenti com a cabeça,
sabia que não estava preparada para aquilo, não ainda.
Ao acordar do sonho estava escrito como que por encanto em
minha caderneta: escrever é uma escravidão, uma escravidão maravilhosa, mais
cedo ou mais tarde você vai perceber isso.
Eu já havia percebido, mas por enquanto, ao menos por
enquanto ficaria apenas com a prosa, deixaria a poesia pra eles que sempre
foram melhores e mais doutos que eu. Ao menos por enquanto não estava preparada
para aquilo.
Precisa ser descoberta para escrever para um jornal,revista.Adorei a participação dos escritores.Gosto de fazer isso.escrevo um conto longo,onde vou buscar Edgar Allan Poe no Inferno.
ResponderExcluirLG