quinta-feira, 28 de junho de 2012

Uma Grande Conversa


Chegou em casa pensativa.O dia havia sido muito desgastante.Os alunos estavam a cada dia mais crescidos e birrentos e o salário mais minguado.Sobre o joelho um caderno amarelo de capa gasta.Pertencia a um dos alunos.Devolveria na segunda.

Colocou o caderno sobre a mesinha de centro da sala e foi pra cozinha preparar o jantar.Comeu sozinha.Não era casada,não tinha filhos.Os pais de Lilian moravam noutra cidade,iria vê-los no dia dos pais.Ainda faltava um pouco.

Desligou todas as lâmpadas da casa.Certificou-se que todas as portas e janelas estavam trancadas.Voltou novamente à sala e sentou-se no sofá.Ficou ali sorvendo mansamente aquele espetáculo de escuridão,absorvendo pouco a pouco os elementos do ambiente:a escuridão e a calma.Adormeceu.

Mergulhemos então na mente de Lilian e saíbamos o que se passou essa noite enquanto sonhava.

-Onde estou?Disse ao se deparar no quintal de uma casa.
-Você está entre amigos.Disse um dos homens e completou:
-Venha conosco.
Eles atravessaram o muro coberto de musgo.
-Como vocês fazem isso?
-Isso é só um sonho.Não tenha medo.
Assentiu com a cabeça e entregando sua mão a uma senhora prosseguiu a excursão.
-Iremos fazer uma viagem.Disse a mulher.
-Não diga que tomaremos um ônibus em pleno sonho?
-Não será preciso.Comandaremos tudo com a imaginação.Não esqueça você está apenas sonhando...Isso é um processo normal:quando dormimos a mente se liberta um pouco dos problemas e inquietações e fica livre pra imaginar,pra criar coisas.Você cria coisas muito boas quando dorme.
-Eu?Indagou perplexa.
-Venha ver estas flores.Vê o quanto são belas?Você vem aqui todas as noites no jardim dessa casa e rega todas elas.
-Não lembro de ter feito algo assim.Raramente me lembro de sonhos.
-É que sua mente anda muito inquieta.Relaxe um pouco.Respire fundo.Agora pense nas coisas que você gosta,que você ama.
De olhos fechados a professora pensava nos entes que mais amava:os pais.os alunos...E em tantas outras coisas pequenas ou grandes diante do coração.
-Agora abra os olhos disse o homem.Veja o que te cerca.
Diante de Lilian e de todos os presentes viam-se imagens imperfeitas das várias emanações do pensamento dela.
-O que é isso?É assombroso.
-Quando nós pensamos nós criamos aquilo.De alguma forma isso tudo é real.Mesmo sem ser.
-E quanto as flores?
-Você costumava gostar muito de flores na sua infãncia...Lembra?Você está de alguma forma lembrando daquilo,cultivando suas memórias e trazendo-as para o presente,cultivando ainda mais flores...Hoje você cuida tão pouco delas.
-Moro em um apartamento,fico pouco tempo em casa,vivo uma rotina muito difícil...
-E, é pra mim que você vem dizer isso?Sei de tudo sobre você.
-Quem és?Um mago?Bruxo?
-Sou uma parte do teu cérebro.O teu subconsciente,quardo as tuas memórias.
-Hã?
-Bem vinda a vida querida.Agora que você já sabe como tudo funciona,que tudo que fazemos deixa pegadas,rastros,se posterioriza de diversas formas...Você bem que poderia nos dar um descanso de tantas preocupações,não acha?

O sol não conseguiu entrar através das portas e janelas trancadas.Naquele sábado Lilian dormiu  calma e longamente.Estava precisando.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Não é Preciso Dizer Adeus


Pegou os elementos rústicos e guardou-os no fundo de uma caixa.Olhou-se.Estava muito bonita,perfumada,penteada...Rodava  os anéis nos dedos como um bambolê.As meias eram novas,e a tiara bordada também era.
-Vamos.
Rute não se despediu de nada.Somente no futuro poderia dimensionar aquela partida,aquela ruptura com o sertão.
Os anos passaram-se,e nossa Rute observava do portão os filhos dobrarem a rua pra irem à escola.Um aperto no coração.Era a primeira vez que iam sozinhos.Estavam grandes.Quase adultos.
"Mentira".Disse pra si mesma.Eram apenas crianças.Daqui a pouco ligaria pra escola,queria ter certeza que chegariam bem...
Entrou em casa desnorteada,segurando-se nas paredes,sentou-se perto da janela.Estava preocupada.
-Rute!Gritou uma vizinha no portão.
-Agora não posso.Estou ocupada.
Continuou ali na janela vendo a vizinha ir embora.
-Que ocupada que nada.Ela estava era na janela vendo a vida alheia.Pensou a outra seguindo o caminho de volta até em casa.
As horas iam passando.Precisava por as coisas em ordem, fazer o almoço,tirar as roupas do varal,arrumar as gavetas...E foi dentro de uma gaveta que encontrou a caixa,limpou-a com um pano seco e deixou-a  na sala esperando a volta das crianças.Fechou a porta de casa.Saiu pra buscá-las.
Conversaram animadamente durante todo o caminho.Alexandre e Fernanda contavam pra mãe a grande aventura que tinha sido a primeira ida sozinhos até a escola.
-Fizemos como a senhora disse mamãe.Nada de conversas com estranhos.Disse Alexandre.
-Tenho duas surpresas esperando por vocês lá em casa.Disse a mãe sorrindo contente.
-Conta mamãe.Pediram os dois a um só tempo com olhinhos ansiosos pelas novidades.
Depois do almoço a primeira surpresa surpresa:
-O sorvete de abacaxi que vocês tanto gostam.Disse orgulhosa.
Enquanto as crianças se deliciavam com a sobremesa Rute pegou a caixinha e colocou-a no colo.
Alexandre sempre atento não perdia nenhum detalhe.
-Mamãe que caixa é essa?
-Venham cá.Aproximem-se.
Elas se aproximaram repletas de curiosidade.
-Que há aí dentro? Disse Nanda.
A mulher abriu a caixinha de madeira e lentamente tirou um a um os objetos,mostrando-os aos filhos.
-Um anel!Exclamou Fernanda com os olhos faiscantes.
-Era da mamãe quando ela era assim quase do seu tamanho.Falou Rute.
-Uma boneca de pano mano.Olhe o tamanho dela...Bem pequena.
-Uma sandália e que cheiro engraçado ela tem.
-É de couro filho,é o cheiro do couro.Foi minha primeira sandália.
Ficaram ali brincando durante toda a tarde com os resquícios da meninice de Rute.A saudade apertando no peito a cada brincadeira dos filhos.Era ela ali de novo,vivendo de novo,perpetuando-se...Uma forma de nunca dizer adeus...Como nunca soubera dizer pra sua terra.Nem sempre é preciso dizer adeus...

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Por Favor,Uma Dose de Calma...


-Belos sapatos.Disse pra amiga ao se despedirem.
Clara ficou imóvel vendo a outra confundir-se na multidão; parecia alheia a tudo,como se nada mais tivesse importância.Deu uma volta,depois seguiu pra casa,depositou os pacotes das compras que fizeram no sofá,começou a abrir um a um os embrulhos.
"As compras vieram trocadas".Recolocou tudo no lugar.Devolveria as sacolas depois.Estava muito cansada.Remexeu as sobras de pão na cozinha,tomou um café frio.Escovou os dentes.Deitou-se e dormiu.

Horas mais tarde...
Trim.Trim.Desligou o celular sem nem ver quem era.Continuou dormindo como era de se esperar numa madrugada.
Estava quase amanhecendo quando ouviu baterem na porta.
"Quem será essa hora?" "Não vou atender,que espere até amanhã seja lá quem for".
Mas o tal seja lá quem for continuou batendo na porta.
"Que ódio!".Colocou outra roupa por cima do pijama e foi espreitar quem estava lá fora.
-Paula,o que você faz essa hora batendo na minha porta?Você está bem?Aconteceu alguma coisa?
-Você está com minhas compras...E eu vim buscá-las.
-E não poderia ter vindo mais cedo ou  ter esperado até amanhã?
-Tentei falar com você,mas você não atendeu.
-Já estava deitada.Desliguei sem nem olhar quem era,quis continuar dormindo.
-Mas eu não consegui dormir.Meus remédios ficaram nas compras que vieram contigo.
-Aqui estão.Confira.Disse tentando parecer gentil.A verdade é que estava detestando ter seu sono interrompido por aquela confusão.
Despediram-se.
Já na cama Clara não conseguia dormir.A outra parecia ter levado o seu sono com ela.
"Que fazer?" Ligou pra uma farmácia 24 horas e pediu um tranquilizante.
Não seria mais fácil se a amiga tivesse feito isso ao invés de vir perturbá-la?
Antes que o entregador chegasse dormiu...Daqui a pouco outra raiva: acordaria novamente pra receber os tranquilizantes...Ao menos eles cumpririam seu papel.