segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Dedicatória


Iremos até onde for preciso. Segurou minha mãozinha pequena e me ensinou o caminho.

Abri minha palma e encostei na dela;21 cm dizia ela,21cm de palmo bem estendido e cuidado. Sobre a égide daquela mulher a criança cresceu, fez-se homem, e ela, velha, bem idosa contemplava aquelas garras dóceis, gentis deslizando mansinho em sua face, estacando de quando em vez pra acariciar e admirar uma ruga.

-Essa aqui como surgiu?

-Não lembro... Faz tantos anos.

-E, esta?

-Quem é você meu jovem?

Não conseguiu responder. As próprias lembranças falavam por ambos ,gritavam, urravam. Mirou bem aquela senhora... Fundo nos olhos adentrou sua alma.

-Lembro-me de você. Tão bonito. É mesmo você não é?

Por um instante senti como se ela submergisse das profundezas do lago... Queria admirá-la boiando nas águas, desfilando seus lindos cabelos prateados.Ouvi apenas:

-Quem é você?

-Meu nome não importa. Peguei sua mão como fazia antigamente e estendi sobre a minha. Vi as lágrimas rolarem em profusão dos seus olhos meigos. Ela morreu diante de mim. Fomos até onde foi preciso.

Daquelas lágrimas... Nunca esquecerei.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

O Nascimento de Dalva.A Estrela.O Mito.


Admiravam a beleza da ampulheta. Do tempo que escorria ali, indo embora a cada segundo, a cada milésimo. Era manhã nascente, o Sol em todo seu esplendor mostrava seus raios fulgurantes, dourados, qual rica coroa de cabelos cor de ouro. Os primeiros raios tímidos temiam afugentar a quem esperava, a quem esperava com ardor milenar; mas a ânsia de tê-la consigo era demasiadamente grande pra que se calasse, ali do céu podia vê-la, a Lua; Ela dormia qual água calma de rio, serena, descuidada de si, de sua beleza e volúpia. Tentou chamá-la, foi em vão. Estava surda, seus clamores eram inaudíveis.

Taiana em seu desespero cutucou a irmã que observava do lado diametralmente oposto. O Sol em sua grande fúria e orgulho imenso, resolvera vingar-se dos humanos, mandou um calor abrasador à Terra, pra que queimasse tudo que havia, qualquer sentimento que nos irmanasse.

Verônica, a irmã mais moça, não menos assustada que a outra, espreitava uma cena... O tempo corria depressa entre seus dedos...O Rei das Alvoradas morria diante dela, pra que a Rainha da Noite pudesse ondear seus cabelos prateados pelos ares, através das estrelas ávidas por seus beijos. Como era bela! Em meio a constelações sem fim, ela reinava, comandava tudo com sua doçura e afabilidade; estava triste, saudosa, este sentimento foi tomando-a por completo, tornando-a cada vez mais cheia, exuberante, diáfana; ver-se ali diante do universo inteiro de estrelas sem a estrela Master, inundou-a de intensa melancolia, depressão profunda, seus olhos encheram-se de lágrimas, e chorou, chorou o mais belo pranto... Deus vendo isso teve pena. Olhou-a compassivo, estendeu as mãos em concha e aparou as lágrimas, uma a uma, juntou-as no seu seio divino e paternal... Tirou dali a estrela Dalva; filha do sofrimento e do amor.

Admirando a beleza de seu amor Ela, cansada da vigília da véspera, estende-se no leito, não sem antes ousar estender os braços pra Ele, e tocá-lo com a ponta dos dedos.Era sempre em vão.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Prisão

-Estamos decepcionados com você.
O funcionário ficou pálido,cabisbaixo,tentou articular alguma fala,mas as palavras ficaram presas,certamente infrigiriam uma lei qualquer da empresa ou do Estado - Nação.
O diretor continuou:
-Está preso.Segurem-no.
Igor debatia-se contra os homens que o agarraram violentamente.Um deles socou seu estômago enquanto o outro ria freneticamente,uma espuminha diabólica escorrendo do canto da boca.
Acordou com o corpo doído,algumas manchas de sangue no chão denunciavam que estava ferido,a consciência que tinha de si mesmo naquele instante era muito pequena;não saberia dizer em qual local era o ferimento,e se havia mesmo um.Não lembrava de nada.Era incapaz de relatar onde estava.
-Fogo!Fogo!Gritou na tentativa de ser ouvido.
Viu um espectro de homem animalesco aproximando-se.Excessivamente alto e forte,olhar duro e cruel...Os olhos dançavam diante dele uma dança descompassada e desafiadora,enfim cansados do baile,fixaram-se nele.
-Espero que tenha aprendido a lição,não toleramos gente como você conosco.
Estava tudo ainda muito desordenado na mente do rapaz...Como assim gente como ele?
-Não se preocupe.Faça sua parte e tudo ficará bem.
-Não entendo.Balbuciou fracamente.
Ganhou um bofetão.
-Espero que isso ajude sua mente de noz a entender as coisas.
Comecei a lembrar.Queriam que eu confessasse algum crime ou falcatrua.Ele parecia notar que eu havia rememorado o assunto.
-Ficamos por aqui por enquanto.
Estava com sede e fome,tentou ficar em pé,nesse momento percebeu-se totalmente amarrado.Agora sim a situação apresentara-se diante dele tal como era.
-O que querem que eu diga?
-Tudo.
-Tudo o quê?
-Você não sabe?Não foi esperto o suficiente pra bisbilhotar?Agora também seja na hora de assumir a culpa.
-Não fiz nada,todos sabem.
-Todos quem?Ora,ora,faz um favor pra mim?Só abra a boca quando for pra confessar ou te apago aqui mesmo.
-Preciso de água e comida.Não posso falar assim.
-Estou diante de um glutão?Sua vida está em risco e você só pensa em comida?Esperava mais de você,Igor;parecia tão inteligente...Agora vejo o porco que és.
O homem confessou tudo,havia algo maior que sua honra ou fome ali.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Pandora - Parte II (Final)

Rosto em brasa, não fui capaz de responder.
-Gostaria, amigo, que esquecesse as mulheres dessa casa, são todas minhas.
-Não poderá mantê-las pra sempre junto de si.
-Ao menos suas não serão;isso já é um alivio pra um pai.
-Estou avisado. Fecharei meus olhos pra elas.
-Cegue-os se for necessário.
Tantas prevenções contra mim, um amigo de todos da casa... Aquela conversa quebrou o meu humor que estava sendo testado desde a minha chegada.Passei em frente ao quarto de Pandora,era necessário e impossível não fazê-lo;os quartos dos filhos de Reginaldo ficavam no corredor,dispostos da seguinte maneira:o quarto de Nívea era o maior e mais espaçoso,também o primeiro,no meio ficava o de Pandora,sempre com suas caixas na penteadeira,no final o do rapaz,era ao lado dele que eu dormia.Não possuíam quartos pra hóspedes,e no final das contas,eu não era um.
Parei em frente à porta entreaberta do quarto do meio,observando-a,parecia morta.Entrei.Naquele momento começava a quebrar a promessa feita ao meu amigo.
-Feche a porta. Disse ela.
-Temos algum assunto importante a ser tratado?
-Você parece acreditar que sim.
-Achei que estava morta.
-Mortos não caminham como eu. Aproximou-se, me beijando. Os lábios daquela jovem mulher colaram-se aos meus de uma forma convulsa.
-Pare.
-Foi pra isso que veio aqui.
-Achei que estava morta.
-Que truque sem sentido. Mentindo pra Pandora?
-A que possui todos os dons...
-A própria.
-A mulher que abriu a caixa e soltou todos os males sobre a terra. Você é ruim.
Abanou a cabeça. Mordiscou a boca.
-Se eu abrir a caixa todos os males se abaterão sobre mim.
-A esperança não seria uma compensação?
-Nem sobre essa égide eu estaria a salvo.
-Vá embora. Meu pai te dará o que deseja. És livre pra desposar Nívea ou pra namorá-la,como queira.
-Não entendo.
-Pandora meu caro, Pandora... Medite sobre ela.

sábado, 10 de setembro de 2011

Pandora - Parte I

Entregou-me a mala. Estava pesada. Era preta com listrinhas alaranjadas, bem fininhas contrastando com seu peso e tamanho. Desci no ponto errado, tive que ir caminhando por um bom tempo até chegar a casa.Entrei sem bater como era de costume,não havia ninguém;espiei a construção de forma minuciosa,portas,janelas,assoalho,louça,tudo quanto havia ali havia passado por meu exame,aprovação era outra coisa.
-Seja bem vindo. Era o dono saudando-me de forma cordial.
-Obrigado. Estou em casa.
-Venha ver a mulher e os meninos. Disse levando-me pra fora de um dos cômodos.
Estavam muito bonitas as filhas do meu camarada. O rapaz ensaiava um bigode ainda ralo, voz indecisa, mas seria um belo e bom homem se saísse ao pai.
Fiquei detido olhando aquelas duas moças belas:
Uma era negra, a outra branca; fruto da miscigenação.Ninguém diria que eram irmãs...Eu afirmo que eram por que compartilhava da intimidade da família.
Uma delas jogou-me um beijo. Estava muito faceira, contava então 17 anos. Vi quando a mais moça corou como se ela própria houvesse atirado o beijo... Seriam cúmplices?
-Não se meta com minhas filhas. Disse meu velho compadre como se estivesse lendo meus pensamentos a despeito das duas.
Timidamente aproximaram-se de nós,a mais velha abraçou-me enquanto a mais jovem ficou agarrada ao pai.Vi quando Reginaldo dirigiu olhares desaprovadores em relação a conduta da filha;mas ela não via,sonhava em meus braços...Sonhos cândidos ou impuros com aquele que as conhecia desde sempre.
-Venha.Falou a Pandora num tom acima do usual.Ela desfez o abraço e deixou a sala junto com o pequeno grupo.
A rusga entre nós seria questão de tempo. Queria uma delas pra mim só não sabia qual.
Passei a sala de jantar. A mesa posta, com a melhor louça da casa, pra receber o conviva mais ilustre; já não tão assíduo... Minha volta era comemorada naquele jantar suntuoso, embora familiar, como se comemorássemos o regresso de um exilado,alguém muito amado que regressava pros braços dos seus.
-Gostou do jantar?Estava do seu agrado?
-Tudo em sua casa está do meu agrado.
Nívea não possuía malícia,seu coração juvenil ainda não havia acordado pros sentimentos do mundo,não era recatada nem tímida,era apenas simples,sua beleza e modos não careciam de supérfluos;sua pele era negra como as madrugadas tão oposta a manhã celebre e orvalhada que era Pandora.
-Reginaldo,quero casar-me.
-Um homem como você não casa,nunca pendura as chuteiras.
-Suas filhas estão muito bonitas...O rapaz também não está mal,você tem uma bela família.
-De fazer inveja não é?

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Humor arranhado

-Traz o cimento e a brita.
-Que vamos fazer?
-Um reboco.
-Que nem aqueles de cara de mulher?
-Tá me achando com cara de mulher Chico?
-Estou falando da maquiagem delas, aquele negócio que elas põe na cara pra disfarçar a feiúra.
-Ah, a sombra!
-Isso!Às vezes passam tanto... Fica precisando de acabamento.
Uma mulher foi passando perto da obra prima que os dois iriam rebocar: salto alto, roupa justa, brincos de argola, e um excessivo blush...
-Aquela ali é mulher da vida.
-Toda mulher é da vida Francisco.
O outro franziu o cenho espantado.
-Como é isso?
-Venha cá seu tonto. Disse puxando o outro pela manga da camisa. Toda mulher é da vida. Repetiu. E todo homem também.
-Eu é que não sou. Se você é problema seu... Mas eu to fora.
-Jumento!Todos são da vida... Afinal, se não fossemos homens e mulheres da vida, seriamos o quê?Gente da morte?
O Chico ficou resmungando enquanto olhava a mulher sumir na rua.
-Ela era bonita... Pena aquela sombra nas bochechas dela ser tanta...
-Deixe de papo furado e vá pegar o que eu mandei. Já pegou?
-Você hoje tá agitado!
-Estou é com pressa. Tenho gente em casa me esperando.
-Uma mulher da vida?
-Lave a boca pra falar de minha mulher Chico!Disse pegando o companheiro pelo pescoço, quase sufocando-o.
-Mas não foi você que disse...
-Disse sim, e repito, mas disse da mulher dos  outros. Com a minha quero respeito. Se aprume.
Chico ficou lá fazendo a massa... Estava um calor. Apinhou a calça e a camisa.
-Deixa de preguiça e faz logo essa massa pra gente dar continuidade ao trabalho. Nunca vi um ajudante de pedreiro tão mole!Só vai ganhar meio dia de serviço desse jeito e olhe lá.
-Muito bom. Você só manda o tempo todo, não faz nada e depois o preguiçoso sou eu.
-Tá demitido. Se for pra não fazer nada e ficar caçando conversa no serviço, eu faço mais, faço tudo e faço melhor. Apanha tuas tralhas que tu tá fora.