sábado, 10 de março de 2012

Marcas de Batom


O tom ainda não é esse. Experimentaram cores e mais cores, até que a mais velha pegou a mais vibrante e disse:

-É essa. Essa que você usará.

A outra estava pálida diante dela, usava uma blusa branca, calçava chinelos simples, eram pobres, não pelos trajes, mas pelos fatos que vêm a seguir.

-Olhe pra mim e veja como deve fazer, como olhar, e se portar diante deles... Falando isso riu ridiculamente, soltando beijinhos em pleno ar.

A outra via tudo tristemente, entendia aquilo de forma ainda muito rudimentar, tinha então nove anos, a outra deveria ter uns 12 ou 13, contava dois abortos como triunfo daquela vida que a mais jovem criança viria a adentrar.

Saíram pelas ruas escuras e estreitas, tétricas figuras passavam por ali. Tinham medo, Sara a mais nova estava aterrorizada.

-De que tens medo? A mais velha sorriu ironizando, pois ela também sentia medo.

Outras mulheres circulavam pelo local, criaturas tão jovens estavam tão velhas e gastas como o vestido dourado esmaecido de uma delas, humanidade tenha um pouco de piedade dessas mulheres.

Uma criatura estrábica aproximou-se das nossas meninas, olhou-as com maldade, uma maldade suja e vil, se fosse possível prendê-lo naquele momento... Não havia polícia nas ruas, não ali.

-Aqui está ela. Como prometi. Disse o verme pra outra criatura asquerosa com a qual confabulava. Dizendo isso apontou pra Sara. Leve-a consigo e traga daqui uma hora, quero pagamento adiantado.

-Não pago.

-Ou paga ou não leva. Gritou puxando a arma pro outro.

“Amabilidades” acertadas levou a garota consigo. E o que ocorreu meu Deus, fechei os meus olhos pra não ver, tapei os ouvidos pra não lhes escutar os gritos, mas a minha consciência não me deixa largar a pena, preciso contar-lhes...Levou-a consigo arrastada pelos bracinhos finos, toda ela era uma tênue corda de trapezista, e ela estava a minutos da queda fatal.

A irmã mais velha, encolhida, a metros de distância daquilo, chorava baixinho, cabeça escondida entre as pernas, o corpinho tremia e ofegava impaciente. Não rezava, não gritava, apenas grunhia. Era um animal.

Cambaleante preparava-se pro salto mortal, pra algo completamente desconhecido. Olhava pra baixo e via o abismo diante de si, era tão alto, ela sentia tanto medo... Só o corpo dela estava ali, a sua alma vagueava diante daquele abismo que era a situação na qual se achava.

Clara, a mais velha, num lampejo de compaixão e lucidez correu até a cena dantesca prestes a consumar-se, atirou-se sobre o monstro que tentava cruelmente usar sua irmã como um dia fizeram com ela...E era tão cedo, foi há tanto tempo...Havia sido levada pelos próprios pais, era tão jovem, tão criança, tão...Já não pensava mais nada, via apenas a face do homem diante de si, lutando contra ele, numa luta desigual e infame, desferia-lhe mordidas, que ficavam como nódoas misturadas a batom barato na pele dele.

Os outros que também estavam na rua fugiram, uns pra não pagar a “corrida”, outras pra levar uma vantagem, por mínima que fosse. Ficaram apenas as duas ali contra ele... Mortas ambas de pancadas, por um monstro... Corpos estendidos numa rua qualquer... Eram e ainda são as marcas de batom... Marcas da prostituição.

Disque Denúncia Nacional de Abuso e Exploração contra Crianças e Adolescentes – Disque 100
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Por favor,não passe trotes.

quinta-feira, 1 de março de 2012

O Melhor Presente

Conto feito para Elen Alcântara:que tu,menina, continues a gostar das letras e da magia das palavras.


-Aqui está o teu presente filha.

A garota saltitante,correu e abraçou a bondosa senhora.Não era mais uma garota e sim uma mulher,e ali diante dela estava uma senhora mais perto do fim do que do começo da vida,mas o que importa?

Olhou o presente curiosa como se ainda fosse aquela menininha de outrora.Balançou a grande caixa,cheirou...Por fim rasgou o embrulho,tão bonito.

Dentro da caixa havia uma menor,que coisa!!Já havia visto essa cena antes,várias caixinhas,uma dentro da outra,como a esconder um precioso segredo,o que estaria ela reservando a si?Uma rosa?Uma jóia?

Continuou sua "jornada",a cada segundo mais curiosa.

A velha senhora ria contente.Os olhinhos de sua "criança" brilharam de contentamento ao ver o presente:

Um minúsculo quadrado.Seria um cubo mágico?

A mulher adivinhando-lhe os pensamentos disse:

-É um cubo mágico.

-A senhora sabe montar?

A outra deu uma gostosa gargalhada.

-Este é diferente.Clélia tomando o objeto das mãos da filha, abriu-o:

Eis que diante de ambas revelou-se o lindo cenário da poesia.

-O que quiseres de bom pra si e pro mundo,com o cubo criarás.Mas lembre-se:crie somente o bem.

Envolvidas pelo momento abraçaram-se."E a poesia daquele momento inundou suas vidas inteiras".

Abaixo Poesia de Drummond,O grande,O mestre de todos nós.

Gastei uma hora pensando um verso

que a pena não quer escrever.

No entanto ele está cá dentro

inquieto, vivo.

Ele está cá dentro

e não quer sair.

Mas a poesia deste momento

inunda minha vida inteira.