quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Nunca Saberás


Era noite e eu caminhava por entre os muros do castelo.Pisava as folhas de outono amarelas e secas,o tempo estava fresco e me convidava a sonhar.Eram sonhos de menina ainda:tecidos,rendas,pequenas prendas mimosas...Ele m'as daria?
Entre sonhos doces senti seus passos,acordei de súbito de meu devaneio.
-Há alguém aí?
Podia ver sua sombra projetada na muralha do castelo.Não houve respostas, no entanto,a sombra caminhava pra mim,aproximava-se lentamente e eu como que pregada ao solo não conseguia fugir,gritar,fazer coisa alguma que me pudesse salvar.Em breves passos estava diante de mim,tomou minhas mãos frias entre as suas,levantou a face,era um cavalheiro mascarado.
Não falava coisa alguma olhava-me apenas,mantinha minha mão entre as suas e eu abaixava os olhos rubra de vergonha e medo.Não sei quanto tempo estivemos ali,mas o fato é que sumiu da mesma forma como apareceu.
Um pouco tonta e fatigada pelas emoções que me dominavam adentrei a fortificação.No quarto a criada me despia e eu pensava apenas:
-Quem és?Quem és que atravessas o meu destino dessa forma?Por acaso desconheces que sou filha do rei?Que não se aproxima duma dama dessa maneira furtiva e sombria?
Não estava em mim.Doutra forma ele não me teria tocado.Decerto foram os sonhos,os excessos de sonhos de moça...
No dia seguinte conversava com mamãe no nosso terraço predileto.Ela me falava dos preparativos do  meu casamento.
-Quando conhecerei meu noivo?
-No dia de seu casamento.Diante do altar.
Meus olhos tristes vagavam pelas colinas vastas que cercavam o castelo.Também ele era um cavalheiro que tomaria minhas mãos entre as suas,e assim como o outro este me parecia mascarado.Afinal,qual diferença?Se de nenhum dos dois conhecia os rostos,o gênio...

Mamãe parecia tentar invadir meus pensamentos.

-Tire essas ideias da sua cabecinha Marina.Olhe as colinas que nos cercam...Além delas há tantas outras:elas também serão suas com o casamento.Seremos um só reino,selaremos em definitivo a nossa aliança.
Nos dias posteriores ele parecia seguir-me de perto.Sentia seus olhos nos campos,nos bailes,sentia-me observada em todos os lugares,no entanto desconhecia sua face.
A casa segundo passado ansiava por vê-lo novamente.As horas distantes eram um martírio imenso.
Estaria casada em poucos dias.O destino era certo.
Mas em algum lugar alguém parecia tramar uma fuga.Era ele.O cavalheiro mascarado apareceu novamente e me levou com ele.
Nunca vi sua face.
-Deixe-me vê-lo.
-Quem eu sou?Tu nunca o saberás.Apenas estou contigo e tu estás comigo.Será meu segredo.
Vivemos anos sem que eu soubesse sua verdadeira face.Era sempre muito cuidadoso e não permitia que eu o expiasse sem ela.
Muitos anos após sua morte eu vivia do pequeno armazém que ele deixara a mim e ao nosso filho Alberto;tirava umas rendas da caixa pra mostrar as senhoras quando ouvi:
-Pois é Filomena dizem por aí que a Princesa fugiu pra não casar-se com o Príncipe;porém o mais entranho é que ele também fugiu.Não há vestígios nem de um nem de outro.
-Deve ter fugido com alguma amante.Sussurrou Filomena.

Porém em minhas lembranças ainda ecoavam as suas palavras:
-"Nunca saberás"
Agora eu sabia.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Jogo de Espelhos


-Tina,iremos na casa de sua prima Emília.Vista-se logo.Estou com pressa.
Em pouco tempo estavam na sala prontas pra sair.
-Vamos logo não quero chegar tarde.
Na casa de Emília um quase monólogo se instalava.
-Li esse livro há anos.Tome.Você vai gostar.
-Ah...Obrigada.Disse Tina tentando sorrir.
-Há também esses Cds,Dvds...Você vai gostar.
-Guarde mamãe.Disse Tina.
Emília passeava por todo o quarto, parecia extasiada.Gesticulava demais,falava alto.
-Como eu ia dizendo pra vocês: Roberto e eu mandamos ampliar a casa pra quando as crianças chegarem,e depois também temos os parentes,e no futuro os netos pra que preencham esses novos espaços.
-Oh,mas venham comigo pois está na hora do lanche.Devem estar com fome...Pudera vocês moram tão distante...Fico feliz que tenham vindo me ver.
-Também estamos felizes não é Tina?
-Claro mamãe.
-E,então estão gostando do lanche?Posso mandar preparar algo pra levarem na viagem de volta,vocês moram tão longe...Sentirão fome no trajeto de volta.
-Prima Emília você nunca foi em nossa casa, do contrário saberia que não moramos assim tão longe.De qualquer forma agradeço a gentileza.
Era mesmo verdade: Emília nunca havia visitado a prima.Não eram assim tão amigas,mas era preciso recebê-la,ser sociável.
Tina achegou-se ao ouvido da mãe e disse:
-Vamos embora mamãe.A prima Emília é muito chata.
-Não fale assim filha ela te deu tantos presentes.
-Não pedi nada.Ela deu por que queria aparecer,se mostrar bondosa.
Emília ouvia tudo calada e fingia não ouvir,porém afirmava pra si mesma que aquilo era verdade.
As visitas levantaram e anunciaram a saída.
As mulheres se abraçaram sem nenhum afeto de parte a parte,cada qual ali queria o seu quinhão:uma queria apaziguar os próprios demônios fazendo-se bondosa,ainda que falsamente.A outra ia comer da melhor comida que havia na mesa de toda sua família.E,por fim,temos Tina que desejava ocultamente tudo aquilo,pra depois desdenhar dos presentes.
Era começo de noite,mas estranhamente fez-se luz:
-Prima Emília..
-Diga Tina.
-Não gosto da senhora.
A mãe de Tina não sabia onde por o rosto.
-Filha..
-Não me puna mais mamãe.Acho que passar a tarde diante dessa senhora esnobe já é castigo o suficiente.
-Pois se querem saber - dizia Emília - Eu que não aguento mais as visitas de vocês duas.Só sabem sugar,nenhuma vem aqui pra saber como eu estou ou o que penso.Querem apenas presentes e boa comida;e não pensem que eu não sei que falam mal de mim mesmo quando ainda estão em minha casa.

Enfim caíram as máscaras.Estavam limpas diante de si mesmas e das outras pela primeira vez na vida.