quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Senhoras Sinceras






-Sou muito sincera Jurema. A sinceridade é meu lema.


-Marli, você sincera? Desde quando?


-Desde sempre ora bolas. Desde quando nasci.

-Já está mentindo!

Marli olhou a amiga com raiva. Em tantos anos de amizade, amizade sincera até ali, como Jurema ousara desconfiar dela daquela maneira, acusá-la sem motivo?

-Não se enerve dessa maneira querida... Disse Jurema.

-Querida? Assim que você paga mais de 30 anos de amizade?

-Olha, agradeço sua amizade, seu companheirismo esses anos todos, mas... Não quero parecer forçada, contudo, sincera mesmo amiga, você não é.

-E, ainda vem com essa!!Vocês estão vendo... Estão todos de prova.

-Todos quem minha velha? Só estamos nós duas aqui no terraço.

-Você não vê? Não escuta os rumorejos das falas dos que nos leem? As risadas? As entortadas de cara que estão dando ao "nos verem"?

-Já que é assim façamos um trato. Propôs Jurema.

-Eu aceito.

-Marli... Você nem sabe o que é...

-Nem preciso.

Marli, a sincera, segundo as próprias palavras e Jurema a amiga desconfiada, como nós podemos notar, fizeram um trato; juntas na varanda prometem uma pra outra a partir daquele momento só falarem a verdade.

Jurema exige da amiga um juramento especial...

-Que absurdo é esse Jurema?

-Ou é isso ou nada.

-Está feito. Jurou diante daquela criatura ser uma mulher sincera. Jamais mentiu ou mentiria.

Hoje entrei com meus olhos e corpo invisível de narrador que quase tudo sabe na casa de ambas....Meu Deus! E o que vi?Marli,a dita dona da sinceridade mundial escondia bolinhos de chuva nos bolsos do avental, driblando o diabetes como ela só seria capaz de confessar pra si mesma, já aos outros? Nunca houve na Terra alguém que seguisse a dieta recomendada tão à risca.

Na casa de Jurema não foi diferente. A mentira era menor, mas ainda assim mentira...Joaquim achegou-se perto da mulher e perguntou:

-Jurema, o café está pronto?

-Oh, meu velho amanheci doente. As varizes estão atacadas. Doem...

-Sente aí. Vou buscar o jantar.

Logo o marido saiu, era uma quarta... Todos sabem dia de jogo, mas também e infalivelmente dia de novela. Como ia dizendo tão logo o marido saiu a mulher trocou o canal e tocou a assistir a novela.

Uma semana se passou. Duas. Nada. Nenhuma delas descobria a mentira da outra.

Olharam-se longamente. Uma reverenciou a seriedade e dignidade da outra. O pacto havia sido levado a sério. Eram sinceras.

Haviam jurado a Gepeto que não eram mentirosas. Pinóquio revoltado assistiu aquela cena maquinando algo pra vingar-se das duas; nem ele escapava das mentiras, elas deveriam escapar? O que fazer?

Lembrou-se do Saci. Pediu ajuda ao “mago bruxo” das florestas.

No dia seguinte as amigas viram-se envergonhadas. Viraram dois bonecos de madeira.

domingo, 20 de novembro de 2011

Teorias da Conspiração



Estava atrasada. Cinco minutos, mas estava. Naquela manhã havia acordado bem cedo, nenhum incidente exceto a demora dentro do transporte público, uma vergonha; uma hora de seu bairro até o centro. Aquele automóvel estava em petição de miséria, uma porta só, janelas com ventilação apenas na parte superior, os veículos eram em número insuficiente pra atender a demanda populacional da cidade. Desceu do ônibus lotado com dificuldade. Era esperada com ansiedade por alguém. O centro estava cheio de gente, era véspera do feriado de dia dos pais, tentava em vão atravessar a avenida mais movimentada da cidade num dia como aquele.
E foram várias tentativas. Agora vai. Pensou ela, quando foi quase atropelada por uma bicicleta, eram mais de 30 mil naquele centro urbano, e estavam todas ali, as motos também. Parecia uma confraternização de veículos.
Impaciente roía as unhas. Sem ter o que fazer senão esperar o amenizar do trânsito ficou a olhar a vitrine da loja mais próxima:
-Que coisa é aquela ali? Apontou espantada.
-A imagem do caos.
As pessoas, animalizadas pela fome, policia em greve, saqueavam um supermercado.
-Não sabia que a policia estava em greve. Comentou com uma senhora ao lado que como ela assistia atônita aquela cena dantesca.
-Moça, você não sabe é de nada... Os jornais, os meios de comunicação em geral estão suprimindo as informações, passando "coordenadas erradas".
-Como assim?
-Você não vê? Essa história de comércio abeto até mais tarde em véspera de feriado, é pra omitir a greve da policia, veja se alguém sabia disso? Se alguém comentou? Eu sabia. Vim aqui conferir a tragédia, meu esposo é policial e me confidenciou tudo. Estão todos armando contra nós. Todos os que possuem poder, os pequenos, os grandes, só de poder que eles precisam, e só do poder se servem pra nos manipular... Isso tudo aqui é pra nos por uns contra os outros.
Estava tonta com aquilo. Os neurônios fervilhavam.
A mulher continuou:
-Hoje pela manhã ainda cedo, os agentes da prefeitura, os fiscais e guardas municipais invadiram as favelas, as casas, atearam fogo em tudo. Por isso essa confusão toda aqui.
Clara afastou-se daquela criatura. Não poderia ser verdade. Esfregou bem os olhos cansados daquela multidão toda e apenas viu dentro da loja pessoas comprando, outras vendendo. Não era o caos. Não ainda.
Do outro lado da avenida ele esperava. Foram tantas as palavras daquela senhora que nem lembrava mais dele, porém Cristiano estava ali, houvesse ou não uma teoria da conspiração, ele ali estava... O homem de sobrancelhas grossas, arqueadas, bem feitas, uma escultura sem termo, agastado pela demorava dela, ainda assim esperava. Atravessou a rua.
Juntos, ela e o homem foram embora, não sei pra onde, sei apenas que fugiram dos conspiradores.



terça-feira, 15 de novembro de 2011

Fotos.Fatos das Ruas.



Olhos fechados, perigo imenso, solto na rua o cão ladrava. Os passantes apavorados, esquivos, xingavam. Era um coisa ruim. Comia dedos, devorava almas. Estava doente. A baba escorria abundantemente ao canto da boca, escancarada, ofegante, cheia de dentes ferozes ou inofensivos. Deitou-se num canteiro de cactos, espinhosos como ele. Estava insone ,ferido, longe de casa.

O frio era imenso. As gotas de orvalho caiam em seu corpo franzino, delicado. Um contraste perfeito com sua alardeada agressividade.

-Bambino! Bambino!

As notas familiares trouxeram-lhe paz... Em minutos estaria em casa. Caminha quente. Parecia humano... Tantos mimos... As cobertas macias, comida agradável, bons donos, fiéis e cordatos. Olhou pra eles, um olhar difuso... Achegou-se até a janela. A chuva continuava e cães como ele estariam lá fora. Como ele não, ele tivera mais sorte. Tinha um lar. Aos cães abandonados ele volveu seus olhos lúcidos que ao encontrarem aqueles embotados pelas maldades do mundo, verteram lágrimas de dor, uma ainda maior do que a que sofrera na rua. A todo animal, a toda criança abandonada... Pede-se apenas LAR.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Ligação - Parte II (Final)


A carta iniciava-se com uma declaração reveladora:

"Amigo,matei seu pai...E agora o que faço?"

O pai estava mesmo morto?Pediu licença e desligou o telefone.Não continuou a ler a carta,depositou-a na mesinha e discou pros parentes.

-Não.Sua tia não está.Não sei se seu pai está com ela.

Os outros não atenderam.Passou a mão nos cabelos,cruzou as pernas.Segurou o envelope.

O telefone tocou novamente.Não atendeu.As ligações não paravam,tirou o telefone da tomada e ainda assim ouvia os seus apelos.Tomou coragem e começou a ler,sem interrupções.

Logo após a primeira revelação vieram outras:

Éramos amigos,eu e ele.Sou um assassino como declarei logo na linha acima.Estou atormentado,não pense que matei o seu pai...Matei o pai de outrem.Mas desejo saber...E se fosse o seu?Você faria o quê?Mereço perdão?

Fechou a o envelope e sentiu um grande alivio,ao menos seu pai estava vivo,o cadáver pertencia a outra pessoa.Não recebeu mais ligações depois daquele dia.

sábado, 5 de novembro de 2011

Arsênico com Amor

Casaram ainda muito jovens.Prometeram diante de um emissário de Deus que aquela união seria eterna.A cerimônia foi muito bonita,muitos convidados...Roupas elegantes,na festa comida farta,nos dias seguintes as coisas não mudaram;ambos atenciosos um para com o outro.Era primavera.

Moravam numa casa confortável,não eram ricos,não tinham empregados;dividiam as tarefas domésticas.Aos poucos estavam descobrindo-se.No príncipio das descobertas Antônia percebeu que o marido,bom,como direi isso?Direi da forma que ela gostaria que eu dissesse então...."Roncava que nem um porco", e mais impressionante era não ter percebido isso antes,por que só agora?Melhor não dar tanta importância a um fato como esse.Lúcio por sua vez começou a achar a esposa um tanto quanto desleixada,não tomava banho com a mesma frequência de outrora,já não se vestia com o esmero dos primeiros tempos; de qualquer forma era de se estranhar...Em pleno verão alguém tomar menos banho que o normal...Mas havia amor entre eles...Devia haver,do contrário por conta de que casariam tão cedo?Tantas pessoas pra conhecer,um mundo inteiro pra desvendar...Escolheram um ao outro.

-O café está frio.

Olhou pra ele com uma pontinha de raiva,deformando os lábios finos e delicados;naquela altura eles pareciam uma cobra ensaiando o bote.Preferiu abortar.

Quem era aquela mulher?Tão hostil,venenosa.Pensou ele vendo a cena a seguir:

Os lábios de serpente puseram-se arqueados diante dele,preparados pra inocular o veneno cruel...Morreria?

-Não temos empregada.Somos somente eu e você.Não gostou?Prepare outro.

Antônia encostou-se na pia,endireitou as mangas da camisa.O frio estava chegando,aos poucos, mas estava;naquela manhã retirou as roupas do armário,lavou,passou,estariam sem mofo pra quando o inverno chegasse...Pra dali um mês ou dois.Já era possível ouvir e ver seus chamados.

Os dias de felicidade comum eram cada vez mais raros.A chuva caia grossa no telhado.O vento entrava até por debaixo da porta.O marido deitado na cama lia o conto: "O Homem da Bolha",a esposa furiosa pela pouca atenção dos últimos meses,arranca-lhe o texto das mãos,puxou também os cobertores e disse:

-Não quero nada seu em minha casa.Há meses aguento seu ronco,sua falta de tempo e sobra de comodismo.

-Você não se enxerga?Olhe-se num espelho.Quem era e quem é você agora?Uma imunda que mal se depila,banho então...Melhor eu me calar,acho que o odor do ambiente fala mais do que qualquer palavra minha.

-Acabou.

-E,só agora Antônia que você notou isso?

-Não,eu notei isso da primeira vez que te trai ainda na lua de mel.