Era uma quinta
diferente de todas as outras. Estavam reunidos ali pra julgá-lo. Era esse o seu
trabalho mais arriscado. Mas qual razão havia pra que depois de tanto sucesso resolvesse
ainda assim arriscar-se a criar uma história qual esta que segue? Respondeu
apenas que era O Grande Desafio que havia proposto a si.
Olhos firmes e
rasos estava pronto pras acusações e defesas daquela tarde.
O juiz entrou na
sala carregando o grande livro: O Auto da Barca do Inferno. Excelentíssimo Gil
Vicente parecia implacável. Logo atrás do meritíssimo entraram as testemunhas
de acusação e de defesa, do lado direito do réu estava o júri popular. O
promotor convulso esfregava as mãos. Teria início o julgamento mais importante
de suas vidas.
Sentou-se e pediu
que o júri e os demais fizessem o mesmo.
O réu jurou
diante de todos com a mão sobre O Auto Da Barca do Inferno dizer a verdade, tão
somente a verdade. Se houvesse Crime confessaria, se houvesse culpa haveria
Castigo.
Começou a falar
timidamente, contudo foi tomado pelas palavras, que vivas falavam por si de
forma eloquente.
-Em minha
defesa...Em minha defesa tenho a dizer que tudo quanto fiz durante esses 6
meses foi dedicar-me intensamente ao meu trabalho,buscar melhorá-lo,ter
criticidade antes que outros como vocês o façam nesse julgamento.Sabia o tempo
todo que esse dia chegaria,mas não pensei que fosse tão depressa e humilhante
vir até aqui.
As testemunhas
cochichavam entre si.Era uma verdadeira Paulicéia Desvairada ora a brincar ora
a discutir o tema com seriedade.
-Rua dos Cataventos,Largo da Palma.Foi ali o
local do crime?Perguntaram Quintana e Adonias Filho a um só tempo,inquirindo o
réu.
-Não vejo Crime.Não cometi coisa alguma.Estou
me sentindo tal qual as Vítimas do Preconceito.
-Ora,onde está o preconceito?Você ousa
comparar-se a nós,diz-se grande escritor,contador de histórias mais fabulosas
que As Reinações de Narizinho,e o preconceituoso sou eu?
-Então estou sendo acusado,julgado, por ousar
como disse o senhor Monteiro Lobato escrever histórias.Desde quando isso é
errado?
-Quando não nos ameaça.Olhe pra você uma
criaturazinha medíocre,um reles escritor,desista do ofício meu caro,suas ideias
não passam de simples Ilusões.Disse Padre Antônio Vieira começando com os
Sermões.
-Alto lá padre!Desde quando vigário de
paróquia pode se acreditar senhor do mundo?Bradou Erasmo de Roterdam furioso
proferindo o seu Elogio da Loucura.
-Parece que ao menos um de vocês está decidido
a ajudar em minha defesa.
-Assim Falou Zaraustra e assim falo também
eu.Proferiu Erasmo e ajuntou essa:sou seu amigo,da mesma forma que Scliar era O
Amigo de Castro Alves.Defenderei você com unhas e dentes.
-Obrigado.
Nesse instante alguns escritores saiam aos
murros,rolavam pelo tapete da sala diante do juiz.
-Ordem no tribunal ou declararei suspenso o
julgamento.Ordenou Vicente cravando os olhos fixamente em Gregório,o boca do
inferno.Ele havia provocado agitação em massa.
-Guardarei as Memórias da Loucura de
hoje.Falou Casmurro.Mas ainda assim não serão mais marcantes que as Memórias
Póstumas de Brás Cubas...Ah,que memórias!
-Deixe de sandices Casmurro.Implorou Florbela
tendo o coração contorcido,uma Charneca toda em Flor,fazia então a Lira de seus
Vinte anos.Vinte anos de seiva e juventude...Espumas flutuantes.Era a data do
seu Aniversário,o julgamento de um jovem escritor seria uma bela Mensagem?
Fernando Pessoa achegou-se ao réu e disse:
-Serei breve,usarei menos de Cinco Minutos do
seu tempo.Respeito-o profundamente,contudo gostaria que pudesse entender a
revolta deles:Vidas Secas,é isso que a juventude tem feito de grandes autores
quais estes,mas eles são A Rosa do Povo,O Sentimento do Mundo.Gostaria que você
os perdoasse.
-Quero somente a Reconciliação.Não farei da
minha vida um Livro de Mágoas.
O relógio estava prestes a desferir a sua 12º
badalada,Aqui Entre Nós havia O Grande Desafio,declarar Lindolfo culpado ou
inocente.
O Juiz decidiu por bem ouvir O Veredito do
povo:sozinho com eles confabulava o destino daquela criatura,enquanto esta do
lado de fora, aguardava ansioso em Silêncio como fazem os Inocentes.
Após ouvir a todos Gil Vicente sentou-se,havia
no Excelentíssimo juiz algo diferente, como se A Metamorfose tivesse se realizado
por completo.Falando de forma improvisada passeava por toda a sala como se esta
fosse Um Céu Numa Flor Silvestre.
Os Miseráveis do mundo trouxeram até nós um
pobre homem que fia letras,tece palavras;influenciados por eles grandes
escritores como os que se encontram aqui foram levados por intrigas a acusá-lo
de sujar o passado glorioso deles ao dizer-se também um escritor.
-Mas,o amor é fogo que arde sem se ver
excelência; e o referido cabra usando possível palavra do João Cabral de Melo
Neto,não fala de amor.
-Amar,verbo intransitivo.O amor só precisa de
si mesmo pra existir,sem complementos.E ele ama o que faz,e faz bem.Por
favor,senhor juiz volte a dizer a sentença.Pediu Mário de Andrade.
-Continuando...Espero dessa vez não ser
interrompido por ninguém.Alguns gostam de usar a expressão Amor Líquido em referência a relações fugazes e tênues.Porém durante toda a sessão de hoje pude
perceber que a preocupação de vocês é desnecessária,aliviem vossos corações o
autor aqui presente ama o que faz,pretende continuar escrevendo por longos anos
e não pretende tomar o lugar de nenhum de vós,quer apenas exercer o talento que
acredita ter,e a mim não cabe julgar se esse talento existe ou não,estou aqui
apenas pra inocentá-lo do crime...Qual é mesmo o crime?Acredito que não havendo
circustância que caracterize ação criminosa posso dar ao réu a sua Redenção.