sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Fanatismo ou Milagre

Olhou a furto a compota de frutas que a mãe estava preparando. Cosme e Damião, os santinhos da mamãe espiavam lá de dentro com seus olhinhos esbugalhados de tanto espanto, havia um espaço entre nós, porém viam, ou antes, anteviam todas as minhas más ações fossem concretas ou intentadas. Um de nós não sabia com quem estava se metendo.
Pé ante pé me preparava pra agarrar aquela delicia em calda, já podia sentir seu gosto açucarado em meus lábios, e como não podia deixar de ser também a surra que eu levaria,estava tudo arquitetado, talvez nem chegasse a apanhar.
-Quem foi o arteiro duma figa que comeu todo o doce?
Todos calados: ninguém acusava ninguém. Meus olhos passavam do irmão mais novo ao do meio, e se um deles me delatasse?Era como se pudesse ouvir do menorzinho:
-Mano que é delatar?Aí sim quem bateria nele seria eu.
- Um.
-Dois.
-Vou contar somente até três quero saber qual de vocês comeu o doce!
-Foi Cosme e Damião mamãe.
-Você deveria ter vergonha de acusar seus irmãos menores, bem se vê que foste tu o ladrãozinho, olhe pra carinha deles morrendo de medo, estão trêmulos.
Interrompendo aquele raciocínio maternal eu que já era exatamente quem sou hoje surgi com essa:
-Mamãe foi um milagre!Foram os santos, a senhora não observa?
-Está de castigo pior que acusar os manos é por a culpa em santos verdadeiros de minha eterna devoção. Saia de minhas vistas e é pra já!
-Espere minha mãe não está vendo?Tô falando a verdade... Já colocou reparo nas mãos dos santos?
-Estão sujas de calda... Diante de tal assombro mandou que fôssemos brincar lá fora.
-Deus seja louvado vou acender as velas que tinha prometido pra vosmecês!Um sinal... Tudo que eu esperava... Um sinal!
Dias mais tarde papai teve alta do hospital.
Chorei baixinho enrolado nas cobertas aquela noite lembrando o ocorrido, um dia alguém como eu participou uma mensagem divina.


sexta-feira, 16 de agosto de 2013

A Mão

-Até logo. Acenou pro rapaz.
Girou a chave na fechadura. Certificou-se que a porta estava bem trancada.
"Ufa estava livre de mais um pretendente a chato. Digo a namorado. Eram todos iguais a ele. Todos se afastavam com o tempo."
-"Você é muito diferente". Diziam.
"Você quer dizer que sou estranha"?
-"Claro que não. Te ligo amanhã".
Nunca mais nenhum deles ligava.

Num bar próximo rapazes conversavam.

-Pois é Raul, ela é muito estranha.
-Estranha como? Ela é de marte?
-Parece mesmo um E.T. aquela mulher.
-Ela é tão feia assim Saulo?
-Vânia é linda.
-E, então homem como ela pode ser um E.T?
-E.T. = estranha. Já disse pra você que ela é estranha. Preste bem atenção Raul: ela faz tudo com a mão esquerda.
-Ora, não seja besta ela deve ser canhota.
-Não é o caso. Garanto.
-Ela acena com mão esquerda. Segura objetos com a mão esquerda. Só penteia o cabelo usando essa mão, abre portas, fecha janelas ,gira maçanetas, faz carinho.
-Já te falei pra deixar de bobagens. Ela é canhota. Deixe isso pra lá.
-Qual canhota qual nada. Ela disse pra mim claramente:
-"Não uso a mão direita. Não gosto. Uso somente a esquerda pra tudo que pensar."
-E, qual o motivo desse grande terremoto Raul?
-Ela diz que o lado esquerdo é o lado do coração, da sinceridade. Veja se tem cabimento isso Saulo?
-O que não tem cabimento Raul é você não querer mais vê-la por causa duma bobagem dessa.
-Como bobagem? Ela é diferente,estranha. Uma garota de esquerda.

Raul levantou e deixou o amigo sozinho. Gostava de pessoas de esquerda. E Saulo decididamente não era uma delas.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Tardes de Agosto

Alice e Miguel, mãe e filho, haviam mudado pro bairro Alameda dos Ipês há pouco tempo... Naquela época eles eram muito comuns por ali. Dos roxos aos amarelos eles enchiam a vista de todos que ali passassem.
O garoto contava então quase sete anos, curioso que era estava quase chegando na idade da razão, vivia até aquele momento sua primeira infância.
-Miguel que tanto você olha na janela?
-Nada mamãe.
-Todo dia de tardezinha você fica aí parado, deixa de estudar ou brincar, sempre as mesmas horas pra vir olhar a janela.
-Gosto de ver as pessoas passando.
Pequeno que era ele ficava na pontinha dos pés observando aquilo que era seu alento o seu amor. Havia posto seu nome de Laura. Era mesmo linda. Qual seria seu verdadeiro nome?
Laura era morena, cabelos negros e cacheados sobre os ombros, aparentava ter a mesma idade do Miguel. Ficava ali também nas mesmas horas, parecia sempre olhá-lo. Costumava acontecer de Alice chamar o filho ou esse distrair-se rapidamente com algum pequeno brinquedo ou passante, o fato é que ao retornar ela já não estava lá e o seu peito infantil se comprimia em saudades.
Depois de uma ou duas semanas a mãe do Miguel começou a notá-lo cada vez mais distraído e aéreo.
Já não tinha sono ou fome. Era um custo fazer com que ele dormisse.
Esse garoto tá estranho pensou ela e com razão. Vou leva-lo ao médico.Mas não foi preciso.
Um dia. Dois. No terceiro ele não aguentou. Esperou uma distração da mãe e saiu.Bateu na casa da frente e esperou.
-Pois não? Oh, um garotinho, como se chama filho?
-Miguel. Vim ver a Laura.
-Quem é Laura?
-Ela mora aí com a senhora. É minha namorada.
-Não pode ser. Não tem nenhuma Laura aqui.
Dizendo isso o menino agoniado que estava fez menção de entrar na casa.
-Espere. Disse Vivalda. Acho que sei o que se passa. Entre e venha ver.

E tal não foi sua decepção ao ver a sua amada ali diante de si. Não uma menina como imaginara. Mas uma boneca.