sexta-feira, 6 de julho de 2012

A Era dos Loucos


Era meu dia de folga.E dessa vez aproveitaria o dia de uma maneira talvez inusitada e estranha pra muitos.
Ainda pela manhã tomei a condução que ia pra Tamarineira.A viagem era longa,o destino era bem distante de onde eu morava porém estava decidido.Pra quem não conhece, a Tamarineira é um bairro do Recife,no qual funciona um hospital psiquiátrico.E foi lá que decidi passar minha folga.

Adentrei pela primeira vez aquele hospital.Não sem antes observar as pessoas que circulavam por ali.Alguns vinham tristes,é mesmo bem triste ter um parente ou amigo nessa situação.Outros por sua vez vinham alegres,inebriados de loucura...Talvez a mais doce forma de lucidez.

Estava circulando em uma das alas quando ouvi gritos:
-Socorro!Vão me matar.

Eu sei isso é um hospital de loucos,muitos deliram ali,mas e se algum deles estivesse em perigo ou tomando choques elétricos como no século passado ou retrasado se fazia com os doidos?
Precisava "salvar a vítima".Ao chegar lá me deparei com uma mulher muito jovem,quase menina,não revirava os olhos como você pode tentar supor,muito pelo contrário...Seus olhos pareciam muito lúcidos,brilhavam de contentamento apesar dos gritos anteriores.

Sim eram dela os gritos.Naquele momento ela era a única no corredor.
Fiquei um tempo olhando-a.Era tão jovem,um pouco bonita,dizendo melhor:era muito bonita.O que fazia ali?

-Ora você pensa que só os feios enloquecem?Disse uma voz vindo de dentro de mim.

Fiquei atordoado.Será que eu também  estava enlouquecendo?Com tantos lugares pra ir num dia de folga e eu havia resolvido ir a um hospício?Era a caridade que me movia.Estava em dívida com Deus e com os pobres.
-Não seria curiosidade?Disse novamente a voz.
Balancei a cabeça pra espantar os pensamentos,sim aquilo deveria ser um pensamento,eu estava pensando alto só isso.Repeti várias vezes tentando me convencer.
-Você também está louco?Disse enfim a mocinha me vendo naquele estado de estranheza.
-Como assim?Eu não sou louco.A doida aqui é você.
-Eu sei.Você também não parece muito bem...
-Eu?Eu estou ótimo.
Não ficaria ali mais nenhum minuto.Corri pelos corredores,nem sei quanto corri nem pra onde corria dentro do hospital;a louca vinha atrás de mim junto com médicos e enfermeiros que por certo me tratavam como louco.
Veja bem leitor,preste bem atenção:
-EU NÃO SOU LOUCO.
Você me ouviu não ouviu?
Por sorte consegui escapar deles.Passei um sufoco,mas consegui.

Agora estava entre vários loucos.Conversavam muito alto.Discutiam política.Fiquei observando sem me aproximar.
-Jorge, você está errado.Dizia um deles,o mais alto.
-Como errado?Ora,na política meu caro,vale de um tudo.
-Como de um tudo?Onde ficam os valores?E o povo nisso onde fica?Interferiu um terceiro homem.
-Que errado nada.Eu mesmo quando era prefeito da minha cidade roubava,roubava mesmo,comprava votos também.Dizia o Jorge.
-É contra lei.Gritou Maria.É contra a lei de Deus e dos homens.
-Que Deus que nada!Gritou Leôncio.O mais alterado deles.Eu sou Deus.Eu faço as leis.
-Você Deus?Se você é Deus pois que eu sou Maria Madalena.Somos todos loucos.Você não vê?Isso é um hospício.
Ouvindo isso começaram a brigar entre si.
-Calma pessoal.Resolvi entrar no meio antes que algo sério acontecesse ali.
-E, você quem é?
-Ora não me reconhecem?Sou Deus.(Disse tentando invocar um ser de autoridade superior pra apaziguá-los)
-Você é um falso profeta dizia Leôncio,o que acreditava ser o próprio Deus.
-Amigos,venho em paz.Pra que reine a paz entre vós.Eu vos disse: amem  uns aos outros.Não lembram?
Alguns ajoelharam diante de mim.Outros mais desconfiados me olhavam de lado,sem se intrometer na conversa que viríamos a ter de ali por diante.
-E, então como vão todos?Disse eu.
-Como vamos?Vamos bem.Disse Maria.
-Bem coisa nenhuma.Retrucou o Jorge.
-O que há?Questionei.
-Ora,essa história de "como vai" não pega bem.Quase todos mentem.Estamos todos sempre bem uns pros outros,como numa tentativa de afirmação pra si próprio de que tudo irá melhorar ou que já está tudo nos eixos.
Fiquei estupefato com a explicação.Ele estava certo.
-O senhor foi prefeito não é?Perguntei.
-Sim fui prefeito da Tamarineira.
-Não sabia que era uma cidade.Pensei ser apenas um bairro do Recife.
-Ora,Deus com o perdão da palavra:o senhor está doido?
-Mantenha o respeito filho.Dizendo isso me despedi de todos.Tinha a intenção de sair dali o mais rápido possível.
Num corredor específico do hospital havia uma porta meio aberta.Fiquei ali escutando.
-Doutor,vim visitar meu filho.Mas,não o encontro no hospital.
-Senhora,ele tentou fugir essa manhã estamos todos de prontidão no hospital.Não há como ele fugir.Ele usa roupas credenciadas do hospital.Nosso pessoal é extremamente especializado e bem treinado.
-Oh,doutor o Pedro Neiva está cada dia pior.
Nesse momento a ficha caiu pra mim.Adentrei a sala e me entreguei.Eu era o mais louco,o mais alucinado de todos eles.

*Isso é uma obra de ficção que de nenhuma forma visa ofender os pacientes portadores de distúrbios mentais.O texto é somente pra ilustrar que muitas vezes o mais lúcido de nós é o mais louco,e o contrário também pode ser aplicado.
**Se quiser saber um pouco mais sobre o VERDADEIRO hospital da Tamarineira acesse o link:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Hospital_Ulysses_Pernambucano

Um comentário:

  1. Sim, de fato, há de haver um tanto de insanidade nesse estilo de vida de lucidez incondicional...tudo depende do referencial. A "loucura" pode ser, de um ponto de vista, racionalidade.

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